Até que eu me divirto!

mas que deixei de acreditar, isso eu deixei!

8.25.2005

Rota de Fuga

Eu sinto coisas passageiras que se misturam com o tempo.
É o tédio. O amargo e profundo tédio. É a vontade de gritar para todos os que não vão poder me ouvir.
Mãos trêmulas, desejo do fim. Desconfiar de tudo, de todos, não acreditar em nada, em ninguém. Nem em mim mesmo.
Se não sou boa companhia para mim mesmo, como poderei ser boa companhia para os outros?

Quantos dias vamos precisar?
Eu não tenho orgulho disso tudo. Não tenho prazer em ver esse quadro. Eu olho para o garoto da foto e peço perdão por não tê-lo permitido chagar até aqui. Peço desculpas por todos os sorrisos que ele me pediu, mas não fui capaz de lhe dar.


De que vale tudo, eu realmente não sei. Não sei mesmo.
Não sei porque eu ainda estou por aqui, quando meu desejo era – é - , há muito tempo, ter ido embora. Ter ido embora de todo e qualquer lugar.
Aliás, lista das cinco coisas que eu deixaria:
1 - Roupas.
2 - Discos.
3 - Poucos livros.
4 - Papéis rabiscados.
5 – Não existe um quinto item.


Realmente, dessa vez está tudo muito pior. Talvez, pior porque não tem razão.
De qualquer forma, eu passo as horas orando para que venha meu ponto final.

8.23.2005

Every Breath You Take

Sem dúvidas, um dos maiores indicadores de que uma pessoa não é mais a mesma – eu já falei sobre isso com amigos e vou repetir hoje - está ligado ao que ela ouve. Não que uma pessoa seja melhor ou pior por ouvir ou não certas coisas – apesar de que, por certas situações, certas músicas, certas pessoas, eu ainda seja partidário dessa idéia.
Na real, o que é interessante é observar se há algo que você ouve agora que jamais ouviria há três anos atrás, por exemplo.

Uma vez, uma ex-namorada – ou qualquer coisa parecida com isso –, talvez para querer se aproximar um pouco mais, me ofereceu um elepê do The Police, uma coletênea, que havia sido de um tio que mudara, morrera, sei lá.
- THE POLICE? Police? Cacete! Você não tem senso de ridículo não?
Nessa época, a única música deles que eu gostava era Every Breath You Take, de modo que não pude me conter, é claro. Era Police! Era a banda daquele babaca, que se apresentou no Rock in Rio com aquela roupa colante! Era a banda daquele cara que raspa o sovaco!
[ps.: Eu sei, eu já sabia, o nome do cara, mas era mais interessante chamá-lo de babaca. E, a julgar pelo lance do sovaco carequinha, acho que talvez ainda seja o mais conveniente.]
Por fim, o disco foi parar na casa do meu vizinho, namorado de uma prima - ou amiga, sei lá – dessa ex-alguma-coisa minha (ele também não gostava – não gosta – de modo que deve ter aceitado apenas para não fazer pouco, como eu fiz.

Faz um tempo que essa coletânea veio aqui para casa, numa remessa que incluiu REM, um ao vivo do U2 (que também é parte integrante dessa história de indicadores de velhice...), os dois primeiros plays do Zero, e algumas coisas do Chico. Pois ontem, durante a Grande Reorganização que tive que fazer – voltei para a casa do cachorro, meu quarto do lado de fora de casa – acabei tocando o disco...

Vocês são capazes de saber o que aconteceu, não são?
Eu não vou falar.
Eu não vou falar.
Eu não vou falar.
Eu não vou falar.
Eu adorei o disco!
[Merda! Falei!]

A verdade é que eu não pude me controlar, e me peguei cantando váááários trechos das canções. A copilação é perfeita, cheia daquelas músicas capazes de causar coceira no cérebro, e das quais você já gosta há tempo, mas nunca se deu conta disso.
Para que o cara que fez pouco caso de Police – o mesmo cara que teria feito pouco caso de U2, na época -, estar ouvindo, e gostando, de uma coletânea do grupo... isto pode até não significar, necessariamente, amadurecimento – imaginem só: Ó, como eu sou maduro! Eu odiava Frank Sinatra e agora o amo! Ho ho ho, como isso é interessante, não?! -, certamente significa que alguma coisa aqui mudou.

Apenas mais uma observação: ainda acho a história do sovaco carequinha meio que ridícula.

8.21.2005

não leia esse post.

É, faz tempo que eu não atualizo isso aqui. Na verdade, vou continuar um tempo sem atualizar. Não tenho nenhum texto novo e nem nada de muito interessante pra dizer por esses dias.
Hoje é só um post pra constar que ainda estou vivo.
Estou vivo e lendo Alta Fidelidade.
Estou vivo e lendo Alta Fidelidade e ao mesmo tempo Quando eu tiver 64, do Takeda.
Estou vivo e ouvindo a discografia do Oasis, ao mesmo tempo que uma boa quantidade de cd do Pixies (me desculpem os fãs, mas nem um nem outro ainda conseguiu me cativar o suficiente).
Descobri que Coheed and Cambria não é um caso de banda emo idiota como eu pensava que fosse. Na verdade é MUITO bom.

Quer saber? Na verdade não sei se quero estar tão vivo não.
Eu ligo a tevê no Domingo de tarde e descubro que a minha vida é igual a do Mister Bean.
Eu ligo a tevê de noite e dou de cara com uma tal de Banda Calypso, com um "guitarrista" que se parece com minha calopsita (com topete e tudo), e uma "vocalista" de voz rouca e cansada, com a cara do bozo (mas sem quela maquiagem. A dela é pior.) trajando uma roupa que mais parece roupa de mergulhadores e dançando feito uma epiléptica. Me parece que esse troço faz sucesso em algum lugar.

Hoje eu levei minha cama de volta ao meu velho quarto, o "quarto de ferramentas", do lado de fora de casa. Meu pai pintou e tudo, tá bacana outra vez. Amanhã eu levo o armário com meus discos e o próprio toca disco e está tudo pronto.

Ah! Estou passando mal. Estou me sentindo molenga (mais que o normal.) Não vou sair.
Bendito seja o mIRC e o #thechannel, e os milhares de Eps de bandas-desconhecidas-que-fazem-músicas-lindas-mas-só-eu-e-outra-meia-dúzia-de-pessoas-ouvem, que irão alegrar o que resta do meu domingo.

Como eu disse, esse é um post de quem não tem nada pra dizer.

8.13.2005

1991

Passaram-se pouco mais de dois anos após a última e triste vez que nos encontramos. Quase nenhuma informação tive sobre eles nesse tempo e, as que tive, eram, no mínimo, estranhas. Eduardo, passado alguns meses, juntou os trapos e foi morar com uma garota de dezessete anos, mas a aventura não chegou sequer a sete meses. Com o término, ele logo voltou para casa de seus pais. Já André, não se sabe por que razão, não deu as caras em lugar algum até, pelo menos, seis meses atrás. Quando finalmente apareceu (lembrando que, durante esses últimos meses, suas aparições continuam sendo raras), estava pálido ao extremo, magro ao exagero, acuado como um animal e ostentando uma barba quase cubista, non sense total.

O último recanto boêmio. Garrafas de conhaque em prateleiras altas, tira-gostos em conserva, bandeira do fluminense na parte atrás do balcão, bem ao lado da imagem de São Jorge. Eu não gostava daquele bar (era escuro, não cheirava bem, era mal localizado), eu não gostava daquela cidade (era escura, não cheirava bem, era mal localizada). Mas deve de ser lá mesmo esse reencontro. André sequer cogitou a possibilidade de pensarmos em algum outro local.

Como pode, em tão pouco tempo, nos tornarmos pessoas tão diferentes? Há apenas cinco anos éramos como irmãos, sempre juntos, nas melhores e piores horas. Nos churrascos de fim de semana, ou nas peladas secundarístas, éramos sempre nós. Mas agora não éramos nada mais que três animais em três jaulas diferentes e distantes.
Eu consegui um estágio ainda no início do curso de Administração, fui efetivado, e me formei, e fui promovido, e já não tinha tanta paciência para conversas como a de Eduardo. Ele agora contava como montou uma academia (com o dinheiro de seus pais, é claro!), como foi divertido seduzir a garota com quem ele acabou morando durante um tempo, fodendo todo dia, até quando ela falou em ter um filho, e ele terminou tudo. Eduardo era o típico brasileiro classe média de 24 anos: um babaca marombeiro, fodedor de garotinhas, baladeiro de plantão. Por sorte, enquanto suas palavras transbordavam como a espuma do chope, eu me ocupava ao observar André.
Ele esvaziava o copo numa goladas rápidas, como quem quisesse sair dali o quanto antes (e sem se preocupar, ao contrário de mim, em esconder isso) e, de cabeça baixa, parecia estar achando tudo aquilo ali um saco. Rodopiava o copo sobre a mesa, não se preocupava em falar mais do que "sim", e "não" e "pois é". Alguma coisa séria havia acontecido com ele, mas, quando quis tocar no assunto, ele nos pediu licença, nos pediu desculpas, deixou uma nota sobre a mesa para pagar sua parte e foi embora - passos largos, mão no bolso e cabeça baixa.
Eduardo o olhou de lado, esperou com que André tomasse uma certa distância, e se dirigiu a mim com a cara mais absurdamente desprezível que eu já puder ver:
- Lembra a última vez que nos encontramos?
- Lembro, claro. No velório da sua...
- É - interrompendo -, nesse dia mesmo.
- O que tem?
- Foi depois desse dia que o André se trancou no quarto. Nem mesmo os pais dele o viam direito.
- Nossa! Que estranho! Pensei que ele não a conhecesse.
- E não conhecia, mas lembra como ele ficou quando a viu?
- É, lembro sim. Ele quase desmaiou.
- Cara, acho que ele gostava dela.
- Hnn... faz sentido.
- Se só de a conhecer de vista ele ficou pirado desse jeito, imagina como ele teria ficado se já tivesse deitado com ela...
- Eduardo, esse comentário foi ridículo e desnecessário.
- Desnecessário? É sério, cara! Aquela menina fodia como ninguém! Era uma verdadeira putinha na cama!

Foi então que me levantei, abri a carteira e deixei cair algumas notas sobre a mesa.

- Eduardo, estou saindo, cara! Toma esse dinheiro aqui. É mais que o suficiente para pagar a conta e ainda comprar algum band-aid e algum remédio para dor.
- Remédio pra dor?

E então veio a porrada bem dada na cara, como não fazia mais desde quando nós três (André, Eduardo e eu) nos metemos em uma confusão com uma turma de um colégio rival, que ficava em frente ao nosso. A diferença foi apenas o alvo. Eduardo.


Não consegui alcançar André. De longe, o vi abrir o portão, entrar com pressa, sem nem olhar para trás.

E desde então nunca mais nos encontramos.


8.08.2005

Portas fechadas para sempre

E então ele resolveu sair, como há muito não ousava fazer.
Vestiu o que costumava ser sua calça jeans favorita, calçou o velho tênis preto, tirou do cabide a camisa de cor quase amarela, love escrito em letras tortas, quase sessentistas.

Quantos dias seguidos ele passou trancado em casa (na verdade, trancado no quarto, debaixo das cobertas, escondendo seu rosto do sol, escondendo seu rosto dos olhares curiosos e acusadores, vindos, muitas vezes, de seus familiares)?
Ele esperava pelo silêncio, e, quando o percebia, quando tinha certeza que já não havia mais ninguém em casa, aí sim, saía para comer, para tomar banho, e então, novamente, se esconder.
Nas altas madrugadas, tudo escuro e quieto, levantava-se, e punha a tocar, no velho toca-discos, alguns empoeirados sons - suas únicas companhias. E a madrugada daquele dia não foi assim tão diferente, mas Good Day, Sunshine o fez decidir por sair.

Anoiteceu, e ele se aprontou. Ok! Ninguém em casa.. Cabeça baixa, mãos nos bolsos e rua.

Ah! Há quanto tempo, não?
Mas os muros eram mais altos, as luzes, menos brilhantes, as pessoas, mais estúpidas.
Lembro-me daquela casa! Uma festa, luzes acesas, dezenas de pessoas, algumas bebidas. A tia dela morava na casa de cima e, apesar de não conhecer nenhum de nós, parou frente à casa de Pedro, olhou, observou por alguns instantes. E eu, sempre o mais patético, continuei minhas piadas bestas. A prima dela desceu logo em seguida, e as duas foram embora.
Cíntia e eu estaríamos namorando poucos meses depois.
Há coincidências?

Mas a casa estava escura agora, a rua estava vazia agora, o termino nunca fez diferença, e ele, apesar de tão pateta como sempre foi, já não era capaz de achar graça de mais nada.

Ainda me lembro dessa praça. Eu me assentava naquele banco de madeira, logo ali abaixo da mangueira. Amigos, conhecidos, velhos solitários... sempre alguém se aproximava, e acabávamos em alguma conversa sobre como a tevê era boa nas noites de terça-feira.
Mas os amigos foram embora para outras cidades, os conhecidos já não eram mais capazes de formular frases, os velhos morreram de desgosto e a tevê já não prestava mais.

E ele lembra dos nomes, das horas, dos shows, dos refrigerantes e das porções de batata frita. Ele pensa nas árvores em locais escuros, nas camisas que amarrotavam facilmente, nos palavrões contidos, e nos falados ao pé do ouvido.
Ele aperta o passo novamente. Ele abaixa a cabeça o máximo possível. E aos que percebem sua presença, limita-se à um mero acenar com as mãos, sem sequer permitir-se a emitir um mero som sequer de saudação.
Ele entra em sua rua.
Ele abre o portão. - Sair foi um erro. -, entra e o fecha.

As cobertas e os discos têm de volta seu amigo mais fiel.


Soundtrack: Algumas músicas do Death Cab For Cutie.

8.06.2005

-_-

De costas para ela, ele conversa com amigos.
- Oi. - e uma leve puxada em seu braço.
- Oi.
- Eu me lembro de você, mas não lembro o seu nome.
[Pense rápido, garotão!]
- Ponto pra você! Eu não me lembro nem de você, nem do seu nome!

Isso é o melhor que ele consegue fazer...

8.01.2005

1989

Lembro de ter visto o tal automóvel passar rápido por mim. Foi tão rápido que não pude notar sequer quer qual a cor da máquina. Ocupei os milésimos de segundo acompanhando seus olhos, que nem mesmo devem ter me enxergado.

Eu estava presente naquela festa. Estava na tenda onde a banda de quarentões anônimos tocava Foxy Lady. Olhei para o lado e lhe vi, frente à outra tenda, comprando garrafas de Smirnoff. Plural. Garrafas. Você estava com alguém, logo pude constatar.
Lhe observei até o momento em que tocaram In My Life. Não pude impedir. Virei-me para o palco para aplaudir, ainda nas primeiras notas. Quando voltei os olhos em direção ao local onde você estava, já não pude mais lhe ver.
Quando os quarentões se despediram – Summertime Blues – , quando a cerveja acabou, andei, por entre toda aquela gente, e vi amigos, inimigos, vi bêbados e famintos, lascivos e recatados, mas não fui capaz de lhe achar, sequer para ficar de longe, apenas olhando...

Quando Marcos se formou, tive a impressão de ter lhe visto durante a cerimônia, do outro lado do salão. Ainda que a contragosto, consegui convite para o baile, pouco mais tarde.
Cabeça baixa, mãos no bolso da calça, postura acanhada e nenhuma vontade de me entrosar. Olhei para todos os lados, percorri cada canto, esperei na porta... não consegui lhe encontrar.

Qual o seu nome?
Que música você está ouvindo agora?
Quem aquece vai aquecer seu corpo nos dias de frio como os do inverno do ano passado?

Era assim. Indagações, delírios...
Era em você, alguém cuja nem nome eu sabia, que eu pensava enquanto exprimia meu corpo contra o corpo de outras que, dia seguinte, ou quatro meses depois, não mais estariam presentes, nem ao meu lado, nem em meus pensamentos.

E sobre o tempo que passava até eu lhe ver novamente, nem mesmo era capaz de saber...



Meu amigo estava aparentemente bem, mas um tanto chocado (na verdade, ele tinha o antebraço engessado, e um dos joelhos um tanto quanto ferido, como que queimado, mas poderia ter sido muito pior, segundo o pouco que eu sabia).
Fazia tempo que eu não o encontrava e, sinceramente, esperava que pudesse tê-lo encontrado numa ocasião melhor que aquela. Ninguém é capaz de prever quando acidentes irão acontecer...
Alguns outros amigos, ainda dos tempos de colégio, já estavam por lá quando eu cheguei. Eduardo era muito querido e, todos fizeram questão de aparecer.

Procurei me informar ("Foi acidente de moto", "Um cachorro atravessou na frente deles"... "Ele e a namorada", "A garota não resistiu... foi na hora"), consegui entender.
Eu e Rodrigo tomávamos um café na recepção do hospital quando os outros vieram ("Ele quer ir ao funeral..., o corpo sai daqui a pouco"). Cada um seguiu em seu respectivo carro, alguns como carona de outros. Eduardo veio com Rodrigo e eu. Éramos como irmãos apenas há alguns anos atrás e aquele era o momento de fazermos valer a amizade.

Na capela, muitas pessoas queriam saber como estava meu amigo, muitos tentavam o consolar, muitos faziam apenas número em frente ao palco do último espetáculo que somos capazes de encenar.
Alguns daqueles rostos eram velhos conhecidos meus. Muitos, jamais havia visto e, esperava, jamais tornaria a vê-los.

Entramos;
Eduardo e Rodrigo à frente (nunca gostei muito dessa história de velório);
Eduardo chorou. Rodrigo o abraçou;
Cheguei-me e, de imediato, apoiei-me em meus dois amigos. Só não berrei porque simplesmente não tive forças o suficiente para isso.
Lá estava você.


O mistério acabou - Agora eu sabia seu nome.
A distância acabou - Agora eu podia ver seu rosto, mesmo que envolto em ataduras, seus lábios, ‘inda que feridos... agora eu podia tocar em suas mãos, ainda que geladas.

As festas acabaram. E não mais Hendrix, mais Beatles, mais Who. Não mais bailes, mais lágrimas, mais choros. Não mais outros corpos. Nada mais seria capaz de reviver o que deixou de existir no instante em que estivemos frente à frente pela primeira e única vez: minha humanidade.

Ainda quando é noite, quando é frio, ainda quando adormeço, é por você que eu fecho os olhos querendo não mais acordar.


Soundtrack: Algumas músicas do Mercury Rev.