Até que eu me divirto!

mas que deixei de acreditar, isso eu deixei!

4.28.2005

Réquiem

Acabo de sair do banho. Coloquei a toalha pra secar lá no varal, do lado de fora. Também não deixei o chão do banheiro molhado, passei pano, tá tudo limpinho. A roupa também já pus pra lavar.
Aqui no quarto, abri o meu lado do armário e peguei aquela camisa que você me deu no meu último aniversário. Já estava até passada. A calça também, aquela preta que eu gosto.
Em cima da cômoda. Eu havia deixado meu perfume em cima da cômoda, mas não consigo encontrar. Veja só! Você pensa mesmo em tudo! Colocou no banheiro, junto aos cremes e aos outros perfumes e desodorantes, no lugar de onde ele não deve sair – eu lembro que você me disse isso, mas sabe como eu sou mesmo atrapalhado, não é mesmo? Eu sempre esqueço!
O pente. Eu sei que já não preciso do pente como precisava dele há tempos atrás, mas ainda resta alguma coisa aqui para ajeitar. Fiapos para um lado, fiapos para o outro, fiapos agarrados ao pente. É a estática!

Limpo, arrumado, cheiroso, penteado. Acho que já estou pronto.

Você sempre soube que não precisaria de muito esforço. Sempre estaria aqui por você. Sempre tentei ser aquilo que você procurou, aquele com quem você sonhou, aquele que você pediu aos seus deuses, nas suas rezas, decoradas ou não. Eu viveria em eterna mutação apenas por saber que um dia chegaria a ser o mais próximo possível da sua tão sonhada perfeição. Você sempre se esforçou para que eu, tão mau aluno, pudesse um dia conseguir passar na prova.

Agora estou aqui, sentado na sala, do lado do telefone, mas ele não toca. Eu espero, e ele não toca. Eu transpiro, e ele não toca...

Tão simples: é só você dizer que vem que eu vou para a varanda lhe esperar.

O telefone não toca...
Eu já levantei, bebi água, desabotoei minha camisa. Já verifiquei, há linha, mas nada de você ligar.

Você ficou na cama até mais tarde aquele dia. Eu não quis lhe acordar (lhe ver sonhar sempre me fez tão bem...). Daí vieram outros, me gritaram. Eu não atendi. Não queria que você acordasse. Mas eles entraram, me levaram de perto de você. Diziam-me coisas que eu não conseguia compreender, palavras sem sentido, frases soltas. – Eu não ouvia mais nada.
Deram-me um copo d’água, não me lembro o que aconteceu depois. Eu acordei, você já não estava mais aqui. Alguém me disse que você havia ido para junto dos seus. “Uma viagem!” Você merecia mesmo umas férias!

Já faz alguns dias. Achei que você voltaria hoje. Devo ter me confundido. Mas amanhã é outro dia: eu tomo outro banho, eu visto outra roupa, eu passo o mesmo perfume.

Você sempre soube que seria assim. É só você dizer que volta que eu fico na varanda a lhe esperar.


[Apenas o seu velho, com saudades – 02 de março de 2005]


-Trilha: Pictures of You (The Cure) e Without You I’m Nothing (Placebo c/ David Bowie).

4.25.2005

Respostas para perguntas de entrelinhas

Ele sabia que mais cedo ou mais tarde isso iria acontecer. Ele temia, mas sabia que, mesmo tanto tempo depois, mesmo com o passar dos anos, mesmo com os cabelos diferentes, mesmo que agora ele tivesse barba, mesmo com os poucos quilos à mais que tanto relutavam em aparecer, ele sabia que cedo ou tarde isso aconteceria. Novamente, um dia, eles estariam frente a frente.
Então chegou o dia. Suas pernas bambearam, mas disfarçou, seus olhos se desviaram, mas já era tarde demais.
E naquela hora não houve mais como fugir.

- Oi.
- Olá. Tudo bem?
- Acho que sim. E com você?
- Bem também, eu acho. Sabe, andei lendo uns livros seus durante esse tempo em que você esteve longe, e acho que...
Ela segura. Não é capaz de dizer. Mas também não é preciso. Ele sabe exatamente onde ela quer chegar, e, apesar de tudo que aprendeu ao longo de todo esse tempo, apesar de acreditar ter se tornado mais forte que antes, estremece.
- Você acha? Bem, a verdade é que... - ele também não é forte o bastante para isso, mas tenta continuar: - a verdade é que são apenas palavras. É tudo muito bonito, eu sei, mas são apenas palavras.
- Desculpe, não sei o que dizer.
- Não. Eu é que lhe devo desculpas. Sempre fui eu. Não eram indiretas, não era pra você ter lido. - Eram sentimentos, os seus sentimentos. Não posso exigir que você não os tenha. Você deve ter, penso eu, escrito o que sentia.
- Sempre! É sempre o que eu sinto. Em metáforas, em outros personagens, em outras histórias, em outros eles e outras elas. A grande verdade é que sempre sou eu mesmo, e muitos que lêem não conseguem compreender.

Sempre foi mais que o medo de ficar sozinho (as outras bocas, os outros ombros, outros perfumes, nada foi capaz de transmitir a sensação de que havia alguém por perto, mas ele sempre conviveu bem com isso). Sempre foi mais que o medo da morte (nas suas noites de insônia, azia, dores de cabeça, era a morte à quem chamava, sem medo algum...).
Era o medo de ser esquecido. O medo de que George Orwell estivesse certo quando, no terrível 1984, afirmou que o passado é algo possível de ser alterado. Tremia só de pensar na possibilidade de alguém lhe segurar pelos ombros, e gritar em seus ouvidos "Esqueça! Isso nunca existiu! Isso não foi verdade!". No entanto, naquele momento, todo seu desespero, às vezes escondido em belas e enigmáticas frases, que muitos aplaudiam sem saber porquê, passou. Passou quando, enfim, ouviu aquilo que tanto desejava ouvir e que, por acreditar que jamais ouviria, o fez fugir, se esconder, se exilar.
- Foram momentos maravilhosos que jamais hei de esquecer. – Ela disse, seguindo-se de um profundo silêncio, e um sorriso no canto dos lábios dele, que, de tão discreto, talvez nem ela tenha percebido.

Já não importa se o presente não é como ele quis que fosse.
Ele a beija no rosto, sem qualquer mágoa, como duvidava que pudesse tornar a fazer.

E vai embora.

Um amigo tinha toda razão quando, certa vez, lhe disse: “Sim, eu gosto dos seus textos. Mas sobre sua paranóia com as lembranças... eu não acho que hajam coisas que devam ser esquecidas. Cada uma delas só acrescentam, só nos fazem crescer.”

4.24.2005

Ponha essa venda nos meus olhos.

Certas coisas deveriam simplesmente não acontecer. Como quando aquela vez em que você apareceu no tal ensaio, de uma banda que nem sequer chegou a acontecer.
Lembro de como você estava sem graça, ali, sentada na cama, olhando para cada um de nós, talvez prestando atenção na crueza do som, ou no prazer que aquilo nos proporcionava.
Você deixava escapar sorrisos, que eu praticamente ignorava, quando um de nós fazia alguma piada.
O baterista olhava, o guitarrista olhava. Mas você era a garota do baixista.
Certas histórias deveriam ser rasgadas antes que pudessem se tornar realidade. Como quando fomos todos nós (eu, dois amigos, umas novas amigas – entre elas, você), no medíocre cinema local.
Algumas verdades não deveriam ser reveladas. Como quando você me contou de tudo que havia sentido um dia.
Há pessoas que deveriam saber esquecer, desistir, abrir mão, mas no tempo certo. Diferente de tudo o que eu fiz, que insisti, que cavei, que quis trazer a tona algo que já havia apodrecido dentro de você.
Há frases que não devem ser ditas, possibilidades que não devem ser cogitadas, oportunidades que devem ser esquecidas.

Nunca fui forte.

Deveria haver alguma forma de desfazer coisas das quais os efeitos foram os piores possíveis. Eu passo os dias tentando aceitar, e as noites tentando lhe convencer, e aos meus amigos (os poucos que sabem de tudo, ou quase tudo), e mesmo a mim, que estou errado, que nunca existiu nada, que nunca valeu a pena, que se aconteceu, agora é apenas passado, e que meu coração está vazio, como naquele dia de chuva, em que conversamos tantas bobagens, sem que certas cortinas houvessem sido abertas. Mas não está.
Meus sorrisos nunca foram tão plásticos. E você talvez não desconfie disso.

Não é fácil simplesmente apagar da mente todos os dias, todas as palavras, cada olhar, cada movimentar de lábios, cada abraço. Eu gostaria de aprender com você, que, pelo jeito, conseguiu facilmente desempenhar sua missão.

Eu vou fingir, festejar, sorrir. Vou celebrar tudo o que eu não sou, tudo o que nunca fui, e tudo o que não tenho certeza se chegarei a ser um dia. Tudo o que eu não digo, em cada entrelinha, não só do que eu escrevo, mas do que vivo, do que falo, mesmo quando os assuntos são outros.

Sobre certas histórias, não consigo simplesmente contá-las, com começo, meio e fim. Talvez por não existido cada um dos três estágios de forma definida. Por isso sempre complico um pouco mais.

Mas hoje não tem festa, não tem amigos, não tem analgésicos. E é por isso que talvez, só por hoje, eu não esqueça de coisas que nunca deveriam ter acontecido.

[Ao som de The Flaming Lips - All we have is now]

4.23.2005

No social

Preciso de meias novas. Acho que a única certeza de que tenho agora é que, sem dúvidas, preciso de meias novas.

Quase ninguém sabe das coisas que acontecem nos bastidores. Enquanto Secos & Molhados existiam, renegaram alguns convites para se apresentar na terra do Tio (de quem?) Sam. Grande coisa. O Kiss apareceu logo em seguida, com a maquiagem e tudo.
Quase ninguém sabe dos empresários brasileiros que eram aliciados para transformarem um desconhecido David Bowie na Carmem Miranda do rock.
Não há diferença nenhuma, exceto pelo nível do que se produz (baixíssimo nesse momento) entre passado e presente.
O maior substituto dos Backstreet Boys se chama Linkin Park.

Vale a pena ter meia dúzia de amigos inteligentes. Veja bem: seja sociável com todos, com a gama de ignorantes à sua volta, que vão lhe ocupar o tempo falando de futebol, de sacanagem, de Big Brother. Mas tenha seus amigos inteligentes.
Muito útil eles serão, no fim de uma péssima noite, em que você tiver encontrado quem tanto temia encontrar, ao lado de alguém que não é nem um terço do ser humano que você consegue ser. Serão úteis quando uma banda decadente que nunca foi mais que uma mera promessa, sem nunca ter acontecido de verdade, se apresentar para um péssimo público (eles nunca irão saber quem foi Cartola...), repleto de pessoas iguais, com as mesmas frustrações, com as mesmas ignorâncias, e com o mesmo modo de se vestir (“Viva a Adidas! Viva a Cavaleira!”) em uma praça suja, fedorenta.
Apenas sente numa calçada, e fale sobre coisas que realmente importam. Fale sobre sentimentos, conte piadas bobas, lembre de velhas histórias.
Tem certas coisas em que eu penso que jamais irei mudar.

Eu decidi, não faz muito tempo, que todo troco miúdo que tiver em mãos vai ser gasto com comida. Mas não é com comida pra valer não. É com essas porcarias que não alimentam nada, nada mesmo, mas têm um gosto legal. E lá se vai todo o meu trocado com pipoca, doce de leite, refrigerante, chiclete, sorvete... enfim, lá se vai todo o meu trocado.
Uma coisa que eu já havia percebido é que, não importa o quanto tente, jamais engordarei. Tô parado na balança já faz tempo. Comendo feito um porco, nada muda. Deixando de comer, até perco peso, e é então a rara situação em que acontece: não engordo, mas volto ao meu peso normal.
Porcarias do mundo: cuidado! Não terei piedade de vocês!

Esses dias reclamaram das minhas desconexões. Acho que são reflexos da vida. Por que esperar que um parágrafo siga o seu antecessor e leve o assunto adiante, se na realidade, tudo é entrecortado, todo o tempo, por situações que não esperávamos?
Gosto de começar pela metade, poupar o sacrifício que é pensar em como “começar pelo início”, e de deixar a sensação de que nada acabaria da forma como deixo acabar. Nesse ponto as coisas são diferentes, mas não deixam de ser reflexo. É assim que gostaria que fosse, mas não é.
Acho que é realmente isso. Personagens mal escritos, e nada mais.
Tudo bem.

Vá a festas e se divirta sozinho. Olhe para a cara dos que pensam estar abafando, e veja quantas vezes se prestarão ao ridículo.
Permaneça calado. Use sua voz, suas ações, apenas quando valerem o esforço.
Prestigie as amigas, e também as amigas de suas amigas.
Vá a festas.

[Sim, Natália, talvez ele sinta realmente tudo aquilo, de tal forma que chega a se disfarçar em outros, se esconder em sorrisos, viver vidas que não suas, apenas para esquecer. Quem vai saber?]

Bastidores, amigos, porcarias e festas...Preciso agir alguma coisa: sair para comprar meias novas.

4.18.2005

O outro membro do Clube...

Odeio segunda-feira. Ainda mais quando tem jogo no domingo. Ali fora só se fala de futebol.
Acho que nunca vou conseguir entender isso tudo. Não o futebol, ou a segunda-feira, digo tudo mesmo. Eu nunca entendo nada.
Tô cansado pra cacete. Essa história de faculdade pela manhã é de matar qualquer um. Eu tiro meu all star, continuo com a meia, me atiro na cama. Soundtrack: White Álbum, à 33 rotações e 1/3, com estalinhos e tudo, bem do jeito que eu gosto.
Já faz algum tempo que deixei de me barbear. Sabe de uma coisa? Quase não se percebe.

Às vezes quase me convenço das coisas que os outros me dizem: eu devo ser mesmo um velho. Sou ranzinza, resmungão, gosto de LPs e tô usando uma camisa quadriculada. Mas, feito criança, como disse, nunca entendo nada. Quer maior paradoxo que isso? Sou um velho crianção.

Tá bom, eu odeio segundas. E odeio terças também, feito aquele personagem do Tom Hanks em “O Terminal”. Mas afinal, além de LPs, Beatles e roupas bregas, do que mais eu gosto?
(Vou pensar com calma. Prometo que um dia ainda encontro a resposta.)

Um pouco de café nunca é ruim. Ansiolíticos de vez em quando também não. E, mais por necessidade que por gosto, antiácido é sempre bem recebido.

Uma coisa em que eu realmente vejo beleza, e não é gozação, é aquela máquina de auto-atendimento da coca-cola. Eu aqui falando sério, e você deve estar pensando que é brincadeira, mas não é. Eu REALMENTE acho o maior barato aquela máquina toda imponente, com a luz verde a indicar “seu dinheiro aqui”, e todas aquelas fotos bem produzidas, que lhe dá vontade de comprar logo o tal refrigerante de sabe-se lá o que.

Sábado eu saí com dois amigos para beber. Quer dizer, eles bebiam e eu olhava - é que ainda tô nessa onda de caretice. Enfim, o cabeludo me tirou de casa na hora em que eu já estava pronto pra dormir. Depois de um pouco de insistência, lavei o rosto, peguei uma camisa com listras horizontais (são nessas horas que quase me ouço dizer: “ah, seu velho!”) e nós fomos. O outro amigo, o barbudo, já estava por lá.
Sabe esses barzinhos com cara de “o último recanto boêmio”? O lugar é bom, sem aqueles pinguços fedorentos. Só complica um pouco quando enche de moleques querendo encher a cara. Nada contra encher a cara, mas gente falando alto o tempo inteiro é um pouco chato de aturar.
Foram longas horas de cerveja (eles), coca-cola (eu), uísque (barbudo), versos de uma canção dedicada à uma boneca inflável (cabeludo), espancamento verbal na mídia (eles) e “não é bem assim não” (eu).

Esse é o tipo de coisa que sempre faz tudo valer a pena.

Já pensou se eu tivesse mesmo sido pai? Puta merda! Tomo susto só de pensar. Adoro criança e tudo, mas, de boa, não sei se estaria preparado. Ela era uma menina, era uma chata, mas eu tava sozinho, então, sem problemas. Terminei assim que pude. E fora as crises de choro, ela não teve nada a me dizer. Fiquei sabendo do aborto uns dois meses depois que terminamos, por outra pessoa. Ela jurou que não era meu, mas eu sei que era. Eu sei que ela mentiu, e nunca mais voltamos a nos falar. É estranho dizer, mas, estive grávido, e perdi o bebê.

Piercings não ficam bem em qualquer pessoa. Na sobrancelha então, acho bem sem graça. Eu ficaria horrível com piercing em qualquer lugar. Mas aquele transverso, de um lado ou outro da orelha, em certas meninas, me deixa louco.

Hoje não tem jogo.

Cada um dos dois lados de cada um dos discos dos besouros já tocou por aqui. Já ouvi cd do Hermanos, e ouvi também uma boa banda de amigos, chamada Olivia. Ouvi o Pet Sounds (e que os também sagrados Sargent e The Pipper me perdoem, mas esse é o meu psico favorito!), e agora tô ouvindo Richard Ashcroft (Verve era uma banda bacana).
Foram quatro copos de coca-cola, um pacote de batata palha, dois comprimidos (dos de três miligramas) de Bromoxon, um copo d’água com bicarbonato de sódio e uma longa escovada nos dentes.

Sozinho com todo mundo.

Odeio as segundas, odeio faculdade, odeio futebol. E também odeio terça.

[Jorge Wagner – 18/04/2005]

Obs.: Trata-se de um conto. Como o título sugere, foi sim influenciado por Clube dos Corações Solitários, de André Takeda, que li de ponta-a ponta hoje. QUALQUER semelhança com a minha realidade pode até não ser mera coincidência, mas friso: isso não é um relato da minha vida, e sim um conto.

Segunda, 18 de abril de 2005

Cheguei cedo à faculdade. Surpresa: Tirei 8,5 em Economia e até acredito que vou passar nesse semestre.
Já vou para casa, e ainda não são nem 8 horas da manhã.
Não sei o que se passa, mas, fora a dor de estômago, que vez ou outra vem mesmo me visitar, tô tremendo pra cacete. E não é frio. Pressão baixa? Sei lá! Mas é estranho, e incomoda.
Vou para casa dormir um pouco.
Mais tarde eu acabo de escrever um texto novo. Será grande, mas parece que ficará legal.
Até breve.

4.13.2005

Quarta, 13 de abril de 2005

Estou voltando a levar a vida que gosto de verdade...
Tenho novamente me permitido a não fazer a barba, a não pentear os cabelos, a passar o dia inteiro com minha velha camisa “Quem vende? Quem compra?”. Tenho me isolado o máximo que posso e o máximo que consigo (mas espero ainda, um dia, vencer o vício da antropolatria – com a licença para o neologismo).
E o que pode acontecer de ruim? É dessa forma que cresço, é dessa forma que consigo não ferir ninguém e, também eu, sair ileso.
Sou eu, e a Rádio Mec;
Sou eu, e os programas de entrevista;
Só eu, e novamente a vontade de voltar a escrever.
Essa é a vida que eu levaria para sempre...
Estou voltando a vida que gosto. Estou voltando a ser quem sou.


Agradeço por todos os comentários dos posts anteriores. São vocês que fazem tudo valer a pena, e só por vocês eu permaneço por aqui.

4.11.2005

do que se esquece com o tempo...

Ele já não suportava mais aquilo tudo. Não. Já haviam se passado tantos anos, e era sempre a mesma coisa. Aquela nunca foi a vida que ele quis.
Havia sido um rapaz não muito bonito, mas um tanto quanto mais ou menos. Não era sucesso, não era vexame.
Não falava muito quando jovem, mas não era também o mais calado. Na verdade, só falava quando achava que o assunto valia a pena o uso de palavras. Para alguns, isso lhe tornava detestável, e para outros, lhe dava um certo ar de respeito.
Um dia se sentiu só, e ela estava por perto. Deram as mãos, e a solidão passou. E ele se esqueceu de seus pequenos, mas existentes planos. E assim o tempo se foi.
Numa tarde tão normal de segunda-feira, após algumas partidas de baralho com amigos, indo para casa, foi que se deu conta de que nada estava correto. Quando abriu a porta e aquele cheiro do mesmo arroz com feijão de ontem, e de anteontem, e de todos os dias lhe penetrou o nariz, foi então que não teve dúvidas...
Velha, estou indo. Não, não é para rua. Não, não vou jogar baralho o dia todo. Ah! Não é possível que você não consiga entender!
Ela simplesmente não conseguia ouvir. E já era de se esperar. Ela nunca o ouvia mesmo. Nem os pedidos de “ponha mais sal na comida”, “faça suco de maracujá e não de caju”, ou “passa a calça preta que eu vou ali fora”. Ela era toda senhora da verdade. E sempre fazia sua comida sem sal e suco de caju. Ela sempre passava a calça marrom...
Ele foi para o quarto. Em cima do armário estava a mala que eles usavam, quando, por algum milagre resolviam viajar (em resumo, passar três dias na casa de algum das dezenas de parentes que ela tinha). Juntou algumas fotos (as poucas que tinha sozinho, sem a ela, que era para não ficar lembrando do tempo que passou naquele lugar, naquela casa, enferrujando, morrendo, perdendo um tempo que jamais iria voltar), jogou na mala velha. Pegou suas camisas (as listradas, as lisas, as de gola e as de botão) com aquele mesmo cheiro de naftalina que dava ao quarto a impressão de se estar em um museu, e a ele, a impressão de que ele próprio não passava de uma peça em exposição (em sua mente quase podia ouvir alguém dizer “Olhem. Aqui temos um ótimo exemplar de Destino Frustrado, uma peça não rara. O que torna essa aqui especial é a perfeição: trata-se do ícone máximo das peças de seu gênero.” ). Suas bermudas, velhas. Suas sungas, velhas. Seus lenços, velhos. Na mala velha, e o zíper correu.
Filhos? Nenhum. Não que ele soubesse. Não com ela, que não os poderia ter, devido a problemas de saúde. Para ele, agora isso parecia ótimo. Seria mais difícil ter que abandonar a prole.
Saiu do quarto, e nem percebeu estar com a calça marrom que tanto detestava...
Estou lhe dizendo adeus...
A velha sorriu. Tudo bem. Mas almoce antes de sair. Fiz a comida do jeito que você gosta: pouquinho sal. Se quiser beber algo, tem suco de caju na geladeira.

4.10.2005

CIEE-RJ

Num Rio de Janeiro de sete e quarenta da manhã. Andar, andar, até chegar ao fim da fila, que continua aumentando. Em todo lugar, todas as horas, todos querem oportunidades.
Numa Rua da Constituição de oito e trinta, esperar.
- Alguém pro seletivo do CNA aí? Me segue.
Portas abertas, mais fila.
- Tire o boné, por favor.
[906, só aguardar...]
Ler, esperar, esperar.
[906, guichê 5]
- Bom dia. O que lhe traz aqui? (...) Ainda mora em... (...) Sexto período, né? (...) Mudou o campus? Só trazer uma declaração. (...) Dá quanto tempo de viagem de lá aqui? (...) Nossa! (...) Sabe chegar no Caju? (...) Ah, sim! Então seria de tarde... hnn... (...) Eu vejo um problema: horários... a hora em que você sai de um lugar é a hora em que você deveria estar chegando no outro. (...) E por que escolheu esse curso? (...) Acho melhor não atrapalhar seu horário na faculdade. (...) Por enquanto não há outras ofertas.
Nove e cinco da manhã.
- Não desista.
Um real e quarenta. Numa Kombi vazia, tristeza.


[Jorge Wagner Mello de Andrade – 22/02/2005]

4.08.2005

[Dezembro de 2003]

Ao menos um abraço forte...
Chegue bem perto. Preciso lhe ouvir dizer que nada, nunca, irá mudar;
Diga que sempre que’u temer devo olhar para esse azul, que se revela por entre as nuvens turvas, entre os sinais de tempestade.
Fale-me que vai sempre ser assim: só fechar os olhos e sentir sua presença, seu calor.
(As coisas acontecem e nem nos damos conta...)
Uma canção apenas, eu lhe peço. Qualquer, mas uma canção. Diga que se eu sentir saudades é só lembrar a melodia, e então há de parecer que nada é diferente do que foi.
Para enfim ser diferente o que metamorfoseou, e cultivar em mim o que tive de melhor. Para ser feliz por assim ter sido um dia...
E se não há a quem pedir abraços e canções, ainda assim tenho as lembranças. Ainda tentarei mantê-las vivas, acesas. Ainda as terei envoltas em meus braços, sussurrando em meus ouvidos, acalantando-me quando houver temores, soando como música, eternamente neste velho coração.

Os bons momentos são como pessoas.
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Isso eu escrevi faz tempo... muito tempo...