Até que eu me divirto!

mas que deixei de acreditar, isso eu deixei!

9.04.2006

A Ilha - Dia #06: 30 de agosto de 2006

Desistindo dos cochilos desde antes das 5 da manhã, vejo a amanhã surgir bem devagar. Serena, mas... sereno não é chuva, certo? E minha irmã me disse que a previsão era de “tempo nublado na quarta, sol na quinta e na sexta”, só que a previsão era de chuva para terça, e não para segunda, então, pensando com um pouco de lógica – na verdade, com um pouco de otimismo –, de repente o sol já apareça hoje. Quem sabe?
Tem bastante neblina, mas olhando à minha direita ainda sou capaz de ver a coisa-que-parece-plataforma e o litoral-que-deve-ser-de-Angra. Ali atrás... essa neblina... não dá para saber, mas... sei lá... vai ver é só impressão... acho que teremos que descer mais um paredão de pedra.

Meus joelhos... já não existem mais. Não que a noite tenha sido confortável para eles, mas acho que não soa como egoísta dizer que a minha foi ainda pior, afinal de contas, apesar de nós três estamos com frio, com fome e com as meias encharcadas, o calouro (já em vias de se aposentar) nesse tipo de atividade por aqui sou eu, e sou eu o cara que está com o pé direito praticamente descalço, sou eu quem não deitou, e essa coisa toda.

Um resmungo aqui, outro ali. Acho que os soldados estão acordando. Logo então vamos estar montanha abaixo, a toda velocidade. Quem sabe hoje não consigo chegar em casa, tomar um banho quente, fazer essa barba, comer lasanha, chocolate, escovar os dentes (ESCOVAR OS DENTES!!!) e correr até os braços da garota-mais-cheirosa-do-mundo. Pelo menos, é o que espero!
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Resolvo seguir com a mesma camisa de manga comprida e capuz com a qual dormi para tentar, ao menos um pouco, me proteger do excesso de espinhos desse maldito lugar. Ainda não são 6 e meia e já estamos andando há alguns minutos. E... sim... aquilo era mesmo mais um paredão de pedra, então vamos margeando pela esquerda, afinal, todos nós concordamos que o som que ouvimos vindo do lado de lá realmente parece um rio, ou algo que o valha, e seguir pelo rio... pode até não nos levar à Praia de Fora, mas com certeza há de nos levar ao chão plano, ao litoral, e aí tudo vai ficar mais fácil.
Com pouco tempo de caminhada chegamos a um lugar em que, apesar de ainda termos a frente o maldito paredão de pedra, já nos é possível descer de rapel.

RAPEL ÀS SETE DA MANHÃ!
Tenha a certeza de que, enquanto eu estiver em sã consciência, e enquanto me for possível evitar, uma situação como essa não há de se repetir!

Depois de caminharmos alguns trechos de mata fechada, bambuzal e espinhal (aliás, vale dizer que durante toda essa... hmmm... “aventura”, nada me tirava da cabeça a idéia de que essa porcaria de pico foi cercada por arame farpado, como se a natureza dissesse “fique longe, imbecil!”, mas os imbecis nunca ouvem, certo? E aqui estamos nós para provar), chegamos a uma espécie de trilha de pedras e vamos por ela na esperança de que logo haja água por ali, e um rio, e o nosso destino.
Não tarda a encontrarmos uma espécie de nascente, que é capaz de nos arrancar sorrisos, ainda que saibamos do MUITO que ainda temos pela frente. Só que agora é a sola do pé esquerdo da bota do Válti que está soltando, então pego uma das camisas que levava comigo e que a uma altura dessas já está praticamente podre para poder amarrar essa bosta e tentar seguir.
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Para falar a verdade, minha esperança era chegar até a cachoeira, o ponto da trilha a partir do qual saberíamos que estávamos no caminho certo, entre 11 horas e meio dia, mas parece que não chegarei nunca. Desce pedra, pula pedra, cai na pedra, levanta da pedra, desce pedra, pula pedra, cai na água, entra no mato, volta pra pedra... e nada, nada, NADA. Mas o caminho certo é esse, o caminho certo TEM QUE SER esse!
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É sério! Eu acho que já falei isso, mas não custa falar outra vez: miojo cru é um biscoito e tanto!
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Alan para, olha para os lados, olha para o relógio, aperta os olhos, coça a cabeça. Parece tentar entender alguma coisa.

- Estranho...
- Que foi, cara?
- Não... o meu relógio...
- O que tem?
- Segundo ele, já estamos bem baixos, entre uns 100 ou 90 metros do chão.

Enfim, uma boa notícia, espero! Já estou quase desistindo, com o joelho esquerdo roxo depois de uma porrada contra uma dessas pedras em um dos meus muitos tombos. Já estou com bolhas nas laterais dos meus pés, quase arrancando essa porcaria de bota pela metade.
Andamos mais uns 40 minutos, contornando pedras, quando, quase às 3, depois de estarmos (bem, falo pelo menos por mim) quase certos de estarmos em algum outro rio, que nos levaria a algum outro lugar (e que eu torcia para que fosse para Abraão, pois de lá, iria embora, mesmo no estado porco em que me encontro) chegamos a bendita cachoeira (CHEGAMOS À CACHORREIRA!). Paramos um pouco, comemoramos com alguns gritos e com um rápido abraço (nojentos e fedendo a azedo como estamos, o abraço é realmente rápido), e eu tento ligar para minha menina, mas – olha aí que maravilha – aqui, relativamente perto da... hmmm... “civilização”, o telefone não dá qualquer espécie de sinal.

Entramos no mato novamente para podermos margear a cachoeira. Pouco depois estamos novamente no rio, com todas as pedras e tombos possíveis, mas estou tão certo de que não demoraremos a chegar que isso pouco importa.

Mais uma hora andando e retiro as metades de bota para poder calçar meus chinelos, e é uma maravilha para os maracujás que trago na extremidade das minhas pernas poderem tomar um ar, por mais que isso represente uma maior possibilidade de me machucar – como se, a uma altura dessas, isso fosse fazer alguma diferença.
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Quando finalmente atravessamos a cerca que separa o começo da trilha da... hmmm... “civilização”, ouvimos a alguns metros gritos de “Aeee! Estão vivos! Desceram!”, vindos de dois moradores locais (o irmão do Mauro e mais um). Eles nos dizem qualquer coisa sobre o Mauro ter acionado os bombeiros pela manhã (e receber do Sgt. Roberto a notícia de que, até ontem, estava tudo certo), perguntam como foi por lá e nos oferecem um pouco de uma bebida que, a princípio, enganado pelo rótulo, penso se tratar de vinho Galiotto, mas que não passa de uma mistura de pinga, mel, cravo e canela, e, cara, essa é a pinga mais gostosa que eu já bebi na vida!
Chegamos e somos bem recebidos. Todos sorriem, todos nos chamam de doidos (e eles é que tem razão), todos se espantam com os braços do Alan, e com a minha cor (dizem que estou pálido, e deve ser verdade).
O mais rápido que posso, dou um jeito de tomar um demorado banho (é difícil conseguir espuma em um cabelo porco como esse) e, na seqüência, uma longa escovada nos dentes (é ótimo me livrar do gosto de massa fermentada e cabo de guarda-chuva).

Saboreio cada gole de café enquanto arrumo minha mochila na esperança, logo frustrada, de ir embora ainda hoje (combinamos então que sairemos amanhã bem cedo, pagando R$40,00 para sermos, os três, levados de barco da Praia de Fora até Conceição de Jacareí).
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Conversa fiada, biscoito, janta, novela e barraca. Acabou – ou, está quase. O que importa é que amanhã tudo volta ao seu lugar.