Até que eu me divirto!

mas que deixei de acreditar, isso eu deixei!

9.07.2006

Mudando de Casa

https://cancaopobre.wordpress.com/
Por sugestão do Bay, estou de mudança para o wordpress.
Já fazia algum tempo que desejava dar uma repaginada nisso aqui (estava cansado desse layout), ou mudar de blog mesmo (tem muita coisa desnecessária nesses cantos). Acabei optando pela segunda opção.
Com a licensa da banda que é o que surgiu de melhor no país nos últimos anos, pego emprestado o nome de um outtake do Violins e divulgo meu novo blog, o Canção Pobre.
https://cancaopobre.wordpress.com/
Se por acaso estou nos seus favoritos, perca alguns segundos e atualize: a partir de hoje, Canção Pobre passa a ser o blog do Jorge Wagner.

https://cancaopobre.wordpress.com/

Aliás, segue abaixo a letra de onde saiu o nome da casa nova:

"Amigos, peguem seus ternos,
vistam seus corpos
e entrem nas filas
Doem seu sangue, doem seus órgãos
pra me compensar por ter lutado por vocês

E eu aqui sem vocês nada sou...

Filhos, peguem seus ódios, cortem suas peles
e entrem nas rimas das canções pobres
feitas por velhos
pra representar vocês no rádio ou na tv

E eles sim sem vocês nada são...

Vale procurar sim
mas é o ACASO que liga todos os caminhos."

.............


Só para fixar, repita comigo:
https://cancaopobre.wordpress.com/
Vejo vocês por .

Explicando "A Ilha"

Antes de anunciar a "mudança de casa" (estou saindo do blogspot e rumando para o wordpress), gostaria de explicar um pouco sobre a série de posts "A Ilha" (que, carinhosamente, chamo também de "as peripécias de um patife perdido na montanha").
Se você leu ao menos um dos textos (e eu espero que tenha lido todos), sabe que se trata do perrengue que passei para filmar pouco mais de 4 horas de imagens para utilizar no trabalho de documentário para a faculdade-que-não-está-nem-aí-com-o-bolso-do-aluno na qual estudo (atualmente nos encontramos em outra ilha, a de edição, finalizando o trabalho).
Depois de imprimir e reler tudo, encontrei alguns erros de acentuação e alguns outros de digitação, mas não vou arrumar, ao menos por enquanto. Vou deixar para fazer isso quando resolver postar essa série na "casa nova".

Por enquanto, organizo aqui a ordem dos textos, de forma a ajudar os preguiçosos:











  • No próximo texto, anuncio o endereço do novo blog.

    9.06.2006

    Wolfe

    "Nos anos 60, um famoso escritor reúne, sob sua liderança, um grupo extravagante, autodenominado Festivos Gozadores, que acreditava ter uma missão na terra: difundir o uso do LSD, ainda pouco conhecido, como instrumento para abrir as portas da mente. O psicodelismo, a rebeldia hippie, o idealismo da revolução cultural que marcou a segunda metade do nosso século são descritos com a ironia típica de Tom Wolfe, recriando através de uma linguagem alucinógena toda a vertigem daqueles anos. Publicado pela primeira vez em 68, O teste do ácido do refresco elétrico foi escrito no calor dos acontecimentos. Logo depois que Ken Kesey, o autor de Um estranho no ninho, se torna um fugitivo da Justiça e parte para o México com seu grupo visionário. O repórter Tom Wolfe sai à cata de uma boa história e depara com um retrato da época, com seu endeusamento das drogas e ruptura moral. O olho clínico de Tom Wolfe revela, por trás da aventura dos jovens revolucionários, a derrocada daquele idealismo quando obrigado a enfrentar o mundo real. Mas deixa transparecer uma dose de simpatia pelas fraquezas daqueles personagens, inebriados com a vida quando ainda não havia sido decretado que o sonho acabou."
    [Sinopse de O Teste do Ácido do Refresco Elétrico, de Tom Wolfe]
    .......................


    Tom Wolfe é, atualmente, meu autor favorito (pelo fato de que tem sido o que mais tenho lido nos últimos tempos, o que não significa que meu gosto por sua obra supere - só para ficar no âmbito do jornalismo literário - o gosto por gente como Truman Capote e - ok! - Hunter Thompson, entre outros).
    Admito que conheci os textos do cara tardiamente. Apesar de conhecer seu nome há tempos (desde quando esse tal de New Journalism começou a me chamar a atenção, há alguns anos), foi somente com um exemplar emprestado de Radical Chique e o Novo Jornalismo (tnx Mr. Pedrosa) mais pro começo desse ano que consegui entender o motivo pelo qual o coroa-do-terno-branco tem tanta moral assim no meio (moral suficiente para ter um manifesto escrito no começo dos anos de 1970 explicando afinal do que se tratava o "novo jornalismo", que nem era tão novo assim). Depois, vieram ainda A Fogueira das Vaidades e A Palavra Pintada (qualquer hora eu devolvo, Fred!), além de Ficar ou Não Ficar (que, aliás, ainda nem acabei de ler).

    O que mais admiro em Wolfe é sua capacidade de narrar o texto a partir da perspectiva de um determinado personagem, mudando a forma dessa narração a medida em que muda o personagem em foco no momento. Depois, a deliciosa ironia, não puramente cagada-nonsense-provocativa como a de Gonzo Thompson, mas de uma maneira peculiar (você não sabe o que quero dizer sobre a ironia de Tom Wolfe até LER algo de Tom Wolfe). Depois, mas não menos importante, o texto, a forma do texto, com todas as suas interjeições e... hmmm... pontuações, que são, de uma maneira quase mágica, capazes de lhe fazer saber exatamente como aquilo seria falado (na verdade, o jornalista diz que a pontuação, para ele, mais do que servir para a leitura, tem que fazer com que o leitor entenda como o personagem - ou o narrador, que seja - pensou aquilo que ali está escrito, como se formou aquela determina idéia). Três características que permitem que o Balzac do New Journalism seja rotulado simplesmente como "genial".

    Tom Wolfe, no Brasil, é editado pela Rocco (com excessão de Radical Chique & o Novo Jornalismo, da Companhia das Letras) - aquela mesma que ganha rios de dinheiro vendendo as cagadas exotéricas de um certo mago brasileiro que faria melhor se simplesmente voltasse para a cartola de onde saiu e nunca mais aparecesse. Tem por aqui uns 10 ou mais títulos lançados, e a maioria relativamente fácil de ser encontrada em sites de megastores.
    O meu conselho - e essa é a parte mais importante desse texto - é que você, o quanto antes, dê uma olhada no site das Lojas Americanas, e aproveite. Afinal, não é todo dia que se pode comprar O Teste do Ácido do Refresco Elétrico por R$34,90 (contra R$48,50 na Saraiva), Radical Chique e o Novo Jornalismo por R$9,90 (contra R$41,00!), Emboscada No Forte Bragg por R$14,50 (contra R$21,00), Um Homem Por Inteiro por R$37,90 (contra R$58,50) e, para parar por aqui, Ficar ou Não Ficar por R$21,90 (e que eu, há um mês, comprei na Saraiva por R$32,00). Infelizmente, não tenho dinheiro para arrematar a todos de uma só vez (espero que eles ainda estejam por lá quando eu tiver algo mais em caixa!), mas não pude resistir ao Teste (...) e ao Radical Chique (...), o primeiro, por ter me chamado a atenção desde quando li a sinopse pela primeira vez, e o segundo por ser simplesmente indispensável para qualquer estudante de comunicação que pretende, de alguma forma, não ser apenas mais um jornalista incolor, escravo dos padrões enlatados.

    Vai por mim, cara... olha o site direitinho, compra o que puder.
    Se não quiser pra você, pode comprar para mim. Eu não ligo. Aceito de bom grado.

    9.04.2006

    A Ilha - Dia #07: 31 de agosto de 2006

    Tudo muito bom. O som das ondas batendo forte acabam substituindo o ventilador, que sempre deixo ligado, apontado para o nada, no conforto do meu quarto, só por causa do barulho mesmo. O chão dessa barraca, forrado com um colchonete fino, parece a coisa mais macia do mundo! Mesmo os roncos do índio-ex-funcionário-de-universidade-ex-paraquedista-vendedor-de-imóveis-dançarino-ex-pequedê-e-o-cacete-a-quatro não chegam a atrapalhar essa noite de sono. Também... bem alimentado, com os dentes escovados e de banho tomado, vou reclamar de quê?!

    Levantamos às 5h30. O pescador que nos vai levar embora vem nos chamar daqui a uma hora.
    Confiro minha mochila, escovo meus dentes e dou bom dia ao Mauro que vem logo dizendo que com esse vento todo é bem provável que ninguém nos leve a lugar nenhum e aí eu fico puto outra vez, porque (ok!), aqui isso aqui é bonito, isso aqui é legal, o povo aqui é simpático, mas – cacete! – eu TENHO que ir embora! Eu passei sei lá quanto tempo no mato, eu to com saudades da minha menina, eu quero lasanha, quero chocolate, quero Coca Cola, quero o sinal do meu celular, quero ver meus emails... quero minha vida de merdinha dependente da tecnologia, da eletricidade, da publicidade e do dinheiro de volta, e não estava lá muito afim de ter que andar por duas horas até chegar em Abraão para pegar a barca. Mas – fazer o quê? – se essa é a única opção, pois que seja! E pouco depois das 7, com as devidas despedidas (eu prometo que ainda volto aqui, só para aproveitar o lugar, como alguém normal, e não como um demente querendo chegar ao topo de uma montanha), tomamos nosso caminho.

    William recebe um telefonema do dono do tripé que usamos para nos auxiliar nas filmagens dessa “expedição”. Parece nervoso. O cara, um argentino naturalizado brasileiro, publicitário influente, saiu de São Paulo rumo à Mangaratiba atrás do amigo, depois de Ter tentado falar com ele ao telefone sei lá quantas vezes. Parece também que o argentino acionou TODA a família de William (família que, por acaso, moram em Goiás, beeem longe do índio), e militares e o cacete. Não entendo a razão (o índio diz que foi para evitar que Martin – um bom nome para um argentino, não acha? – insistisse para vir conosco e acabasse atrapalhando a viagem), William havia dito que escalaria o Pico das Agulhas Negras, em Resende. Então, depois de tentar – e não conseguir – falar com o amigo pelo celular, Martin perdeu a cabeça achando que perdera um amigo e um tripé e, ligando pra cá e pra lá, acabou descobrindo a verdade.
    Existe a possibilidade de que esse alarde todo não passe de blefe. Mas, como saber?
    *******


    Chegamos em Abraão e vamos logo comprar nossa passagem para a barca que sai ás 10, precisamente daqui à 35 minutos.
    No meio tempo em que “Comandos em Ação” Kronemberg vai comprar algumas lembranças, William recebe mais um telefonema de Martin, que diz ter acabado de chegar na Ilha. Para nossa surpresa, realmente a barca está atracando nesse momento.
    Esperamos um pouco e entramos, e vamos para a frente, para filmar a saída e um trecho da viagem. Faltam 5 minutos para partimos, e tudo indica que o argentino é mesmo muito bom de blefe, e estamos quase respirando aliviados, e o índio já tem quase certeza que escapou de levar uma lição de moral quando... “Puta merda! É ele ali embaixo!”.

    - Cara... sobe, vem aqui pra frente...
    (...)
    - Na barca, cara... na barca...
    (...)
    - Não precisava disso, cara! Não precisava!
    (...)
    - Tá bem... sobe aqui.

    Alan está numa ponta com o tripé e a filmadora. Eu estou agachado, com a cabeça entre os joelhos. William, deitado á minha esquerda, espera pelo amigo que vem, e, num nem-castelhano-nem-português – algo do tipo “Tevez nervoso” – dá suas broncas no índio:
    - Má ondéquetutava?
    - Eu falei, cara! Estava escalando, filmando o documentário!
    - Má perguê nom me falô que vinha pá cá?
    - Porque eu te conheço! Sabia que ia querer vir com a gente! Ia ser perigoso pra você e ainda poderia atrapalhar nosso trabalho!
    - Má você é maluco! – surpreendentemente intelegível.
    - Desculpa, cara!
    - Descuipa? Descuipa! Você sabia que liguê pá tua famílha?
    - É, minha mãe me ligou...
    E assim prossegue a lavação, que fica mais engraçada quando Martin chama um dos funcionários da barca e diz que pagaria R$10000,00 para quem o levasse até o pico.
    Mas o cara, apesar de chato, até que é legal. Sai e volta com uma lata de cerveja para cada um, e isso só não é melhor porque a cerveja não é Brahma, mas... de graça, né? Vai de Skol mesmo!
    *******


    A coisa que parece plataforma... o litoral de Angra... sim! Nós estávamos alto o suficiente para ver isso daqui. E eu não consigo parar de me perguntar qual foi a grande graça dessa viagem toda. O que leva alguém a querer se embrenhar mato a dentro e montanha acima? Massagem no ego (“Poxa, olha onde eu cheguei!”)? Pois para mim, essa idéia de que eu tenho um pau maior do que a maioria dos mortais só por ter chegado onde a maioria dos mortais não iria simplesmente não funciona.
    *******


    Agora estou sozinho no trecho final dessa viagem. Olhando pela janela da van, vejo o mar, a ilha e – lá está ele! – o Pico da Pedra D’água. Eu subi aquela coisa e – quem se importa? – não sou mais homem do que qualquer um aqui.

    Pouco antes de tomar meu rumo, um rumo diferente do argentino e dos ex-milicos (e, sinceramente, após essa semana, torço para que nossos rumos sejam sempre diferentes, eles com as coisas deles, eu com as minhas coisas), um motorista de táxi veio, do nada, nos dizendo que TAMBÉM “dava uma bola”. Como assim “TAMBÈM”?! Cacete! Como deve estar minha cara? Meus olhos? Minha barba? Se, de olhar para mim, um quarentão puxador de fumo sente-se seguro de que faço parte de sua turma, devo estar bem acabado!
    Estou magro e pareço cansado, muito cansado. Não como direito há algum tempo;
    Ele tem olheiras, olhos fundos, lábios rachados, pele queimada, barba queimada, cabelos... cabelos não tão nojentos quanto até ontem a tarde. Não fosse isso, com as sandalhas certas e vendendo durepox retorcido, poderia ser facilmente confundido com um daqueles malditos e inúteis hippies estilo Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro – mas uso
    Havaianas
    , e não vendo coisa alguma.

    Quase exatamente como imaginei que seria.

    A Ilha - Dia #06: 30 de agosto de 2006

    Desistindo dos cochilos desde antes das 5 da manhã, vejo a amanhã surgir bem devagar. Serena, mas... sereno não é chuva, certo? E minha irmã me disse que a previsão era de “tempo nublado na quarta, sol na quinta e na sexta”, só que a previsão era de chuva para terça, e não para segunda, então, pensando com um pouco de lógica – na verdade, com um pouco de otimismo –, de repente o sol já apareça hoje. Quem sabe?
    Tem bastante neblina, mas olhando à minha direita ainda sou capaz de ver a coisa-que-parece-plataforma e o litoral-que-deve-ser-de-Angra. Ali atrás... essa neblina... não dá para saber, mas... sei lá... vai ver é só impressão... acho que teremos que descer mais um paredão de pedra.

    Meus joelhos... já não existem mais. Não que a noite tenha sido confortável para eles, mas acho que não soa como egoísta dizer que a minha foi ainda pior, afinal de contas, apesar de nós três estamos com frio, com fome e com as meias encharcadas, o calouro (já em vias de se aposentar) nesse tipo de atividade por aqui sou eu, e sou eu o cara que está com o pé direito praticamente descalço, sou eu quem não deitou, e essa coisa toda.

    Um resmungo aqui, outro ali. Acho que os soldados estão acordando. Logo então vamos estar montanha abaixo, a toda velocidade. Quem sabe hoje não consigo chegar em casa, tomar um banho quente, fazer essa barba, comer lasanha, chocolate, escovar os dentes (ESCOVAR OS DENTES!!!) e correr até os braços da garota-mais-cheirosa-do-mundo. Pelo menos, é o que espero!
    *******

    Resolvo seguir com a mesma camisa de manga comprida e capuz com a qual dormi para tentar, ao menos um pouco, me proteger do excesso de espinhos desse maldito lugar. Ainda não são 6 e meia e já estamos andando há alguns minutos. E... sim... aquilo era mesmo mais um paredão de pedra, então vamos margeando pela esquerda, afinal, todos nós concordamos que o som que ouvimos vindo do lado de lá realmente parece um rio, ou algo que o valha, e seguir pelo rio... pode até não nos levar à Praia de Fora, mas com certeza há de nos levar ao chão plano, ao litoral, e aí tudo vai ficar mais fácil.
    Com pouco tempo de caminhada chegamos a um lugar em que, apesar de ainda termos a frente o maldito paredão de pedra, já nos é possível descer de rapel.

    RAPEL ÀS SETE DA MANHÃ!
    Tenha a certeza de que, enquanto eu estiver em sã consciência, e enquanto me for possível evitar, uma situação como essa não há de se repetir!

    Depois de caminharmos alguns trechos de mata fechada, bambuzal e espinhal (aliás, vale dizer que durante toda essa... hmmm... “aventura”, nada me tirava da cabeça a idéia de que essa porcaria de pico foi cercada por arame farpado, como se a natureza dissesse “fique longe, imbecil!”, mas os imbecis nunca ouvem, certo? E aqui estamos nós para provar), chegamos a uma espécie de trilha de pedras e vamos por ela na esperança de que logo haja água por ali, e um rio, e o nosso destino.
    Não tarda a encontrarmos uma espécie de nascente, que é capaz de nos arrancar sorrisos, ainda que saibamos do MUITO que ainda temos pela frente. Só que agora é a sola do pé esquerdo da bota do Válti que está soltando, então pego uma das camisas que levava comigo e que a uma altura dessas já está praticamente podre para poder amarrar essa bosta e tentar seguir.
    *******


    Para falar a verdade, minha esperança era chegar até a cachoeira, o ponto da trilha a partir do qual saberíamos que estávamos no caminho certo, entre 11 horas e meio dia, mas parece que não chegarei nunca. Desce pedra, pula pedra, cai na pedra, levanta da pedra, desce pedra, pula pedra, cai na água, entra no mato, volta pra pedra... e nada, nada, NADA. Mas o caminho certo é esse, o caminho certo TEM QUE SER esse!
    *******


    É sério! Eu acho que já falei isso, mas não custa falar outra vez: miojo cru é um biscoito e tanto!
    *******


    Alan para, olha para os lados, olha para o relógio, aperta os olhos, coça a cabeça. Parece tentar entender alguma coisa.

    - Estranho...
    - Que foi, cara?
    - Não... o meu relógio...
    - O que tem?
    - Segundo ele, já estamos bem baixos, entre uns 100 ou 90 metros do chão.

    Enfim, uma boa notícia, espero! Já estou quase desistindo, com o joelho esquerdo roxo depois de uma porrada contra uma dessas pedras em um dos meus muitos tombos. Já estou com bolhas nas laterais dos meus pés, quase arrancando essa porcaria de bota pela metade.
    Andamos mais uns 40 minutos, contornando pedras, quando, quase às 3, depois de estarmos (bem, falo pelo menos por mim) quase certos de estarmos em algum outro rio, que nos levaria a algum outro lugar (e que eu torcia para que fosse para Abraão, pois de lá, iria embora, mesmo no estado porco em que me encontro) chegamos a bendita cachoeira (CHEGAMOS À CACHORREIRA!). Paramos um pouco, comemoramos com alguns gritos e com um rápido abraço (nojentos e fedendo a azedo como estamos, o abraço é realmente rápido), e eu tento ligar para minha menina, mas – olha aí que maravilha – aqui, relativamente perto da... hmmm... “civilização”, o telefone não dá qualquer espécie de sinal.

    Entramos no mato novamente para podermos margear a cachoeira. Pouco depois estamos novamente no rio, com todas as pedras e tombos possíveis, mas estou tão certo de que não demoraremos a chegar que isso pouco importa.

    Mais uma hora andando e retiro as metades de bota para poder calçar meus chinelos, e é uma maravilha para os maracujás que trago na extremidade das minhas pernas poderem tomar um ar, por mais que isso represente uma maior possibilidade de me machucar – como se, a uma altura dessas, isso fosse fazer alguma diferença.
    *******


    Quando finalmente atravessamos a cerca que separa o começo da trilha da... hmmm... “civilização”, ouvimos a alguns metros gritos de “Aeee! Estão vivos! Desceram!”, vindos de dois moradores locais (o irmão do Mauro e mais um). Eles nos dizem qualquer coisa sobre o Mauro ter acionado os bombeiros pela manhã (e receber do Sgt. Roberto a notícia de que, até ontem, estava tudo certo), perguntam como foi por lá e nos oferecem um pouco de uma bebida que, a princípio, enganado pelo rótulo, penso se tratar de vinho Galiotto, mas que não passa de uma mistura de pinga, mel, cravo e canela, e, cara, essa é a pinga mais gostosa que eu já bebi na vida!
    Chegamos e somos bem recebidos. Todos sorriem, todos nos chamam de doidos (e eles é que tem razão), todos se espantam com os braços do Alan, e com a minha cor (dizem que estou pálido, e deve ser verdade).
    O mais rápido que posso, dou um jeito de tomar um demorado banho (é difícil conseguir espuma em um cabelo porco como esse) e, na seqüência, uma longa escovada nos dentes (é ótimo me livrar do gosto de massa fermentada e cabo de guarda-chuva).

    Saboreio cada gole de café enquanto arrumo minha mochila na esperança, logo frustrada, de ir embora ainda hoje (combinamos então que sairemos amanhã bem cedo, pagando R$40,00 para sermos, os três, levados de barco da Praia de Fora até Conceição de Jacareí).
    *******


    Conversa fiada, biscoito, janta, novela e barraca. Acabou – ou, está quase. O que importa é que amanhã tudo volta ao seu lugar.

    9.03.2006

    A Ilha - Dia #05: 29 de agosto de 2006

    Essa cantina parece bastante com a do colégio onde terminei meu ensino médio, só que bem mais regada do que a outra costumava ser. Tem bombom de chocolate, rocambole de chocolate, barras de chocolate, bomba de chocolate, muita coisa de chocolate, e sonho de creme, e donnuts de creme, e doce de leite, e ali no freezer tem Todinho e Coca Cola. Eu quero comer, quero comprar bastante, mas a Dadá não olha na minha direção.

    Peraê! A... DADÁ?! Será que é mesmo a cantina do Mazinho? Não é possível... aqui não é o colégio! Mas essa é a Dadá, a negra-bem-negra-de-dentes-brancos-bem-brancos-meio-gordinha-e-quase-baixinha que trabalhava por lá!

    - Dadá, quanto tá esse rocambole aqui?
    (...)
    - Dadá!
    (...)
    - Ô sua filha da mãe! Eu to com fome, caramba! Dá pra me atender? Eu tenho que comer logo! Tenho pressa!
    - Qual é, Jorge! Mete a mão e sai voado, pô! – a voz "Pexxe" (assim mesmo, com dois “x”), um dos meus amigos do Ctur, mas não vejo seu rosto. O que ele está fazendo aqui... eu não tenho a menor idéia!
    - Pode crer! – e nem seria a primeira vez.

    Pego uma bomba descomunalmente grande, e mordo com vontade, saboreando. O gosto é o melhor de todos (minha boca e meu estômago agradecem).
    A Dadá continua com cara de paisagem olhando para o nada. Adolescentes de boné pra trás, camisa branca, calças jeans e All Star passam pra lá e pra cá, mas não consigo saber quem é quem.

    Cai água no meu rosto.

    Get it Back - despertador.

    É triste perceber que não tem cantina alguma por perto, não tem bomba de chocolate alguma por perto, e que ainda estamos no meio do nada, no meio do mato, debaixo de um maldito paredão de pedra, e que chove copiosamente.
    *************


    Voltar aos trapos imundos e ainda úmidos por conta da tarde anterior, beber um pouco d’água, jogar um pouco d’água no rosto, pular para tentar descomprimir os ossos depois da noite anterior.

    Um breve telefonema, “parabéns pra nós dois... não sei se volto hoje... ainda chove... amo você... volto o quanto antes”, saudade, saudade, muita saudade, misturada à fome, fraqueza e frio.

    - Vamos dar uma meia hora pra ver se a chuva diminui, depois a gente vai. – fala Kronemberg.
    - Falou.
    - Beleza.

    Meia hora.

    Uma hora.

    Duas horas.

    Quatro horas.

    Realmente não vou conseguir chegar hoje.
    Começo a me desesperar.

    Dividimos mais uma barra de cereal, recebo mais alguns telefonemas perguntando como estou, onde estou, quando volto... até que tenho a impressão de que tudo vai se resolver quando um tal Sargento Roberto, do Corpo de Bombeiros da Ilha Grande me liga (minha irmã – a esposa do Válti – havia entrado em contato com ele). Mas eu repasso o telefone para o Alan, que, para meu desespero, diz que “está tudo bem”, que “temos comida”, que estamos “só esperando a chuva passar para podermos prosseguir a decida”. Eu grito, imploro para que ele aceite a ajuda, o resgate, seja lá o que for, mas ele desliga. Demoro um pouco para me acalmar, o que só acontece depois de me dizerem por vezes seguidas que os pobres da Ilha não possuem sequer um helicóptero para encontrar os dementes que se mentem em furadas como essa em que estamos.

    Por hoje, melhor desistir de voltar.

    A chuva não passa (ao contrário, fica cada vez mais forte), e as horas vão passando lentamente. Nossa toca está completamente encharcada. Do lado de fora, na parte em que a chuva (ainda) não alcança, conseguimos, com um pouco de esforço, acender uma nova fogueira, preparamos nosso almojanta (são 5 e alguma coisa da tarde) e colocamos algumas peças – camisas e meias – para secar ao lado do fogo e com o nada suave cheiro de fumaça, que me faz tossir e ficar com os olhos ardentes e cheios d’água.
    ************


    Anoitece. Sentado de frente à parede de pedra e olhando à minha direita, vejo algo que parece uma espécie de plataforma, e algumas luzes em um litoral que não sabemos se é uma das curvas da Ilha ou se estamos alto o suficiente para estarmos enxergando Angra dos Reis.

    Estou sentado, de frente ao paredão, encostado num pequeno lance de pedras à minha direita. Tenho dores nos joelhos, tenho cãibras, minha garganta arde e acordo de pequenos cochilos resmungando absurdos, xingando até a quinta geração que deu origem aos dois ex-milicos que parecem apagados do meu lado (bater forte com uma pedra grande na cabeça de cada e ver aquele monte de meleca cinza e vermelha voando para todos os cantos um seria uma boa forma de vingança, mas desisto da idéia porque sei que não conseguiria descer isso tudo sozinho) e tentando entender onde eu – esse merdinha dependente da tecnologia, da eletrecidade, da fumaça de altomóveis, do chacoalhar dos trens, do calor dos ônibus, das vozes dos patéticos apresentadores de programas vespertinos na tevê aberta e de tudo mais que agora me parecem ser as melhores coisas do mundo – estava com a cabeça quando resolvi participar de um trabalho como esse.

    Ainda chove. Será que fará sol daqui a algumas horas? Já são 4 da manhã, e eu realmente não sei a resposta.

    9.02.2006

    A Ilha - Dia #04: 28 de agosto de 2006

    “Vâmo nessa, pessoal?!”

    Sou um dos que mais tem pressa. A saudade da garota-mais-cheirosa-do-mundo chegou ao ponto em que telefonemas de bom dia / boa tarde / boa noite já não são suficientes, mas estou no meio do mato, e isso é tudo o que posso fazer.

    Ainda precisamos mudar as roupas, voltarmos aos já imundos trajes que estamos usando para cruzar essa porcaria de matagal. Precisamos de um café da manhã (uma barra de cereal para três). Precisamos escovar os dentes nesse filete de água para retirar o gosto de cabo de guarda-chuva e da mistura fermentada de arroz, sopão e macarrão ingerida no fim da tarde passada.

    Mas logo estamos de volta, contornando pedras, ouvindo os malditos macacos, embrenhando no mato, contando as mãos, furando as mãos, trançando os pés, criando bolhas... e o pé direito do lixo de bota que me foi emprestada pelo marido de minha irmã (Valter, normalmente chamado de “Válti”) está com a sola descolada, amarrada por pedaços finos de cipó.
    *************


    APRENDA ISSO: se em alguma situação você tiver que passar mais de 24 horas ao lado de militares ou ex-militares, esteja preparado para ouvir, a cada cinco palavras, expressões como “bizu”, “jangal”, “sanhaço” e outras, cada uma mais estranha e sem lógica que a outra. E quando falo em “a cada cinco palavras”, são cinco palavras MESMO.
    *************


    Pouco após as 10 da manhã, sem um gole de água nos cantis, somos obrigados a cortar pedaços de bambu atrás de uma água com gosto amargo e cheiro estranho, mas que, no fim de tudo, acaba sendo de grande valia. É ÁGUA, mermão! E é o que importa.

    Algum tempo mais e avistamos o paredão de pedra que deveria estar acima do sopé, onde deveríamos ter chegado no começo da tarde de ontem. Então... é isso... pegamos o caminho errado, andamos MUITO mais do que deveríamos, mas a boa notícia é que o topo não deve mais estar tão longe assim de nós.
    Agora é só subir essa outra parede de pedra menor, com essas plantinhas cheias de espinhos, na mão, e... ESPINHOS? Na MÃO?! Isso é jangal! É muito sanhaço! Certamente não é o bizu!
    Alan “Comandos em Ação” Kronemberg, o homem que vai a frente dessa furada cada vez maior, acaba desistindo – depois de se furar mais do que boneco de vodu e deixar seus braços com a aparência de que ele acabara de brigar com uma meia dúzia de jaguatiricas.

    Vamos margeando pela direita, e andando, e subindo, e andando, e subindo... e são meio dia e qualquer coisa, e minha barriga ronca, e acho que... CHEGAMOS, mas a mata é fechada e não dá pra ter certeza porque é mata fechada. E para melhorar minha sorte, começa a chover (William acha que é só aqui em cima, eu acho que vou morrer).
    Andamos um pouco mais em busca de alguma clareira, mas NADA. Bem... pelo menos não há mais para onde subirmos, mas, no meio desse sereno, não consigo me alegrar com esse fato.

    13h20: Resolvemos iniciar o caminho de volta.
    A chuva aperta.
    Parede de pedra à nossa frente – teremos que fazer rapel e – olha aí que beleza! – é esse não é o momento ideal para me lembrar que tenho medo de altura, certo? Pois me vem a mente o dia em que desconsiderei a idéia de acompanhar um grupo de amigos em suas aventuras com rapel, eu, numa espécie de festa ou sei lá o quê, preso com todos os equipamentos de segurança, tentando descer do 3º andar de um prédio de uma escola, e meus joelhos travando, minha perna não me dando atenção, e eu desistindo. E – olha aí que legal! – dessa vez, a segurança é UMA corda, um TRONCO de árvore e só. Mas não há o que fazer, e de repente lá estou eu, com minhas pernas bambas e joelho semi-morto, queimando a mão esquerda em um cipó e a direita numa corda até poder chegar ao chão.

    E ainda mais uma vez, depois de andarmos mais um tempo, uma parede maior ainda.
    Estou tonto e com fome, e aqui é um bom lugar para dormir, uma toca certeira onde a chuva não alcança, e tem lenha seca por perto. Vamos parar, por favor! Amanhã cedo a gente continua. PRECISO estar em casa amanhã... 3 meses de namoro, saca? E ela lá, e eu aqui, e o delicioso perfume dela, e esse nosso cheiro de azedo... eu não só quero voltar, eu PRECISO voltar... eu REALMENTE preciso voltar.
    *************


    Como se faz para espantar o frio e abstrair-se do desespero crescente? Acenda uma fogueira, cozinhe seu arroz-com-sopão-com-macarrão-e-caldo-de-carne e divirta-se cantando coisas da época em que Raça Negra (a Top vâmo-bater-lage-lá-na-cara-do-Geraldo-no-domingo-porque-vai-ter-angu-a-baiana-de-graça) era o treco que mais tocava nas rádios do país inteiro e vendo alguém que de risada semi-mecanizada (um estalado e pausado ”Rá! Rá! Rá!”) cantando e dançando “Ela tá dançando e o pimpolho tá de olho / cuidado com a cabeça do pimpolho”.

    Rá! Rá! Rá!
    Não suporto mais essa merda, e eu quero ir embora daqui.