Até que eu me divirto!

mas que deixei de acreditar, isso eu deixei!

9.03.2006

A Ilha - Dia #05: 29 de agosto de 2006

Essa cantina parece bastante com a do colégio onde terminei meu ensino médio, só que bem mais regada do que a outra costumava ser. Tem bombom de chocolate, rocambole de chocolate, barras de chocolate, bomba de chocolate, muita coisa de chocolate, e sonho de creme, e donnuts de creme, e doce de leite, e ali no freezer tem Todinho e Coca Cola. Eu quero comer, quero comprar bastante, mas a Dadá não olha na minha direção.

Peraê! A... DADÁ?! Será que é mesmo a cantina do Mazinho? Não é possível... aqui não é o colégio! Mas essa é a Dadá, a negra-bem-negra-de-dentes-brancos-bem-brancos-meio-gordinha-e-quase-baixinha que trabalhava por lá!

- Dadá, quanto tá esse rocambole aqui?
(...)
- Dadá!
(...)
- Ô sua filha da mãe! Eu to com fome, caramba! Dá pra me atender? Eu tenho que comer logo! Tenho pressa!
- Qual é, Jorge! Mete a mão e sai voado, pô! – a voz "Pexxe" (assim mesmo, com dois “x”), um dos meus amigos do Ctur, mas não vejo seu rosto. O que ele está fazendo aqui... eu não tenho a menor idéia!
- Pode crer! – e nem seria a primeira vez.

Pego uma bomba descomunalmente grande, e mordo com vontade, saboreando. O gosto é o melhor de todos (minha boca e meu estômago agradecem).
A Dadá continua com cara de paisagem olhando para o nada. Adolescentes de boné pra trás, camisa branca, calças jeans e All Star passam pra lá e pra cá, mas não consigo saber quem é quem.

Cai água no meu rosto.

Get it Back - despertador.

É triste perceber que não tem cantina alguma por perto, não tem bomba de chocolate alguma por perto, e que ainda estamos no meio do nada, no meio do mato, debaixo de um maldito paredão de pedra, e que chove copiosamente.
*************


Voltar aos trapos imundos e ainda úmidos por conta da tarde anterior, beber um pouco d’água, jogar um pouco d’água no rosto, pular para tentar descomprimir os ossos depois da noite anterior.

Um breve telefonema, “parabéns pra nós dois... não sei se volto hoje... ainda chove... amo você... volto o quanto antes”, saudade, saudade, muita saudade, misturada à fome, fraqueza e frio.

- Vamos dar uma meia hora pra ver se a chuva diminui, depois a gente vai. – fala Kronemberg.
- Falou.
- Beleza.

Meia hora.

Uma hora.

Duas horas.

Quatro horas.

Realmente não vou conseguir chegar hoje.
Começo a me desesperar.

Dividimos mais uma barra de cereal, recebo mais alguns telefonemas perguntando como estou, onde estou, quando volto... até que tenho a impressão de que tudo vai se resolver quando um tal Sargento Roberto, do Corpo de Bombeiros da Ilha Grande me liga (minha irmã – a esposa do Válti – havia entrado em contato com ele). Mas eu repasso o telefone para o Alan, que, para meu desespero, diz que “está tudo bem”, que “temos comida”, que estamos “só esperando a chuva passar para podermos prosseguir a decida”. Eu grito, imploro para que ele aceite a ajuda, o resgate, seja lá o que for, mas ele desliga. Demoro um pouco para me acalmar, o que só acontece depois de me dizerem por vezes seguidas que os pobres da Ilha não possuem sequer um helicóptero para encontrar os dementes que se mentem em furadas como essa em que estamos.

Por hoje, melhor desistir de voltar.

A chuva não passa (ao contrário, fica cada vez mais forte), e as horas vão passando lentamente. Nossa toca está completamente encharcada. Do lado de fora, na parte em que a chuva (ainda) não alcança, conseguimos, com um pouco de esforço, acender uma nova fogueira, preparamos nosso almojanta (são 5 e alguma coisa da tarde) e colocamos algumas peças – camisas e meias – para secar ao lado do fogo e com o nada suave cheiro de fumaça, que me faz tossir e ficar com os olhos ardentes e cheios d’água.
************


Anoitece. Sentado de frente à parede de pedra e olhando à minha direita, vejo algo que parece uma espécie de plataforma, e algumas luzes em um litoral que não sabemos se é uma das curvas da Ilha ou se estamos alto o suficiente para estarmos enxergando Angra dos Reis.

Estou sentado, de frente ao paredão, encostado num pequeno lance de pedras à minha direita. Tenho dores nos joelhos, tenho cãibras, minha garganta arde e acordo de pequenos cochilos resmungando absurdos, xingando até a quinta geração que deu origem aos dois ex-milicos que parecem apagados do meu lado (bater forte com uma pedra grande na cabeça de cada e ver aquele monte de meleca cinza e vermelha voando para todos os cantos um seria uma boa forma de vingança, mas desisto da idéia porque sei que não conseguiria descer isso tudo sozinho) e tentando entender onde eu – esse merdinha dependente da tecnologia, da eletrecidade, da fumaça de altomóveis, do chacoalhar dos trens, do calor dos ônibus, das vozes dos patéticos apresentadores de programas vespertinos na tevê aberta e de tudo mais que agora me parecem ser as melhores coisas do mundo – estava com a cabeça quando resolvi participar de um trabalho como esse.

Ainda chove. Será que fará sol daqui a algumas horas? Já são 4 da manhã, e eu realmente não sei a resposta.

3 Comments:

  • At 7:03 PM, Blogger  said…

    pqp Jorge... tem que falar em chocolate bem agora que to morrendo de fome e a mae me informou que nao tem nada pra comer! HAHAHAH
    consegui (malmente) colocar os links o/

    beijao :)

     
  • At 7:51 AM, Anonymous Anônimo said…

    Eu fico com a idéia que pelo menos vc vai ter algo pra contar pros filhos... Pq vc não escreve um livro? kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Gostei do jeito q vc narrou td...
    Bjos!

     
  • At 9:51 AM, Blogger  said…

    hahaha, pois eh... nao quiz botar Julia... e gosto do nome Rita :D

     

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