Até que eu me divirto!

mas que deixei de acreditar, isso eu deixei!

8.08.2005

Portas fechadas para sempre

E então ele resolveu sair, como há muito não ousava fazer.
Vestiu o que costumava ser sua calça jeans favorita, calçou o velho tênis preto, tirou do cabide a camisa de cor quase amarela, love escrito em letras tortas, quase sessentistas.

Quantos dias seguidos ele passou trancado em casa (na verdade, trancado no quarto, debaixo das cobertas, escondendo seu rosto do sol, escondendo seu rosto dos olhares curiosos e acusadores, vindos, muitas vezes, de seus familiares)?
Ele esperava pelo silêncio, e, quando o percebia, quando tinha certeza que já não havia mais ninguém em casa, aí sim, saía para comer, para tomar banho, e então, novamente, se esconder.
Nas altas madrugadas, tudo escuro e quieto, levantava-se, e punha a tocar, no velho toca-discos, alguns empoeirados sons - suas únicas companhias. E a madrugada daquele dia não foi assim tão diferente, mas Good Day, Sunshine o fez decidir por sair.

Anoiteceu, e ele se aprontou. Ok! Ninguém em casa.. Cabeça baixa, mãos nos bolsos e rua.

Ah! Há quanto tempo, não?
Mas os muros eram mais altos, as luzes, menos brilhantes, as pessoas, mais estúpidas.
Lembro-me daquela casa! Uma festa, luzes acesas, dezenas de pessoas, algumas bebidas. A tia dela morava na casa de cima e, apesar de não conhecer nenhum de nós, parou frente à casa de Pedro, olhou, observou por alguns instantes. E eu, sempre o mais patético, continuei minhas piadas bestas. A prima dela desceu logo em seguida, e as duas foram embora.
Cíntia e eu estaríamos namorando poucos meses depois.
Há coincidências?

Mas a casa estava escura agora, a rua estava vazia agora, o termino nunca fez diferença, e ele, apesar de tão pateta como sempre foi, já não era capaz de achar graça de mais nada.

Ainda me lembro dessa praça. Eu me assentava naquele banco de madeira, logo ali abaixo da mangueira. Amigos, conhecidos, velhos solitários... sempre alguém se aproximava, e acabávamos em alguma conversa sobre como a tevê era boa nas noites de terça-feira.
Mas os amigos foram embora para outras cidades, os conhecidos já não eram mais capazes de formular frases, os velhos morreram de desgosto e a tevê já não prestava mais.

E ele lembra dos nomes, das horas, dos shows, dos refrigerantes e das porções de batata frita. Ele pensa nas árvores em locais escuros, nas camisas que amarrotavam facilmente, nos palavrões contidos, e nos falados ao pé do ouvido.
Ele aperta o passo novamente. Ele abaixa a cabeça o máximo possível. E aos que percebem sua presença, limita-se à um mero acenar com as mãos, sem sequer permitir-se a emitir um mero som sequer de saudação.
Ele entra em sua rua.
Ele abre o portão. - Sair foi um erro. -, entra e o fecha.

As cobertas e os discos têm de volta seu amigo mais fiel.


Soundtrack: Algumas músicas do Death Cab For Cutie.

3 Comments:

  • At 2:18 PM, Blogger Clara said…

    será que foi um erro mesmo?
    o que aconteceu com ele?! pq ele foge do mundo?

     
  • At 2:24 PM, Anonymous Anônimo said…

    cara! viajei no texto agora....até ri sozinha...rsrs
    eu nasci em 90! terrivel! rsrsr....qria ter nascido antes...num sei pq, mx qndo leio txtos assim....me da uma vontade de viver aqla época....
    rsrs

    enfim...ta muito legal!

    bjos...

     
  • At 5:18 PM, Blogger Daniela said…

    Foi má vontade do personagem. Má vontade de se livrar do passado. Ele tem que se esforçar pra mudar de perspectiva. Ficar trancado no quarto é sempre mais fácil. Mas não é vida!

     

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