Até que eu me divirto!

mas que deixei de acreditar, isso eu deixei!

8.01.2005

1989

Lembro de ter visto o tal automóvel passar rápido por mim. Foi tão rápido que não pude notar sequer quer qual a cor da máquina. Ocupei os milésimos de segundo acompanhando seus olhos, que nem mesmo devem ter me enxergado.

Eu estava presente naquela festa. Estava na tenda onde a banda de quarentões anônimos tocava Foxy Lady. Olhei para o lado e lhe vi, frente à outra tenda, comprando garrafas de Smirnoff. Plural. Garrafas. Você estava com alguém, logo pude constatar.
Lhe observei até o momento em que tocaram In My Life. Não pude impedir. Virei-me para o palco para aplaudir, ainda nas primeiras notas. Quando voltei os olhos em direção ao local onde você estava, já não pude mais lhe ver.
Quando os quarentões se despediram – Summertime Blues – , quando a cerveja acabou, andei, por entre toda aquela gente, e vi amigos, inimigos, vi bêbados e famintos, lascivos e recatados, mas não fui capaz de lhe achar, sequer para ficar de longe, apenas olhando...

Quando Marcos se formou, tive a impressão de ter lhe visto durante a cerimônia, do outro lado do salão. Ainda que a contragosto, consegui convite para o baile, pouco mais tarde.
Cabeça baixa, mãos no bolso da calça, postura acanhada e nenhuma vontade de me entrosar. Olhei para todos os lados, percorri cada canto, esperei na porta... não consegui lhe encontrar.

Qual o seu nome?
Que música você está ouvindo agora?
Quem aquece vai aquecer seu corpo nos dias de frio como os do inverno do ano passado?

Era assim. Indagações, delírios...
Era em você, alguém cuja nem nome eu sabia, que eu pensava enquanto exprimia meu corpo contra o corpo de outras que, dia seguinte, ou quatro meses depois, não mais estariam presentes, nem ao meu lado, nem em meus pensamentos.

E sobre o tempo que passava até eu lhe ver novamente, nem mesmo era capaz de saber...



Meu amigo estava aparentemente bem, mas um tanto chocado (na verdade, ele tinha o antebraço engessado, e um dos joelhos um tanto quanto ferido, como que queimado, mas poderia ter sido muito pior, segundo o pouco que eu sabia).
Fazia tempo que eu não o encontrava e, sinceramente, esperava que pudesse tê-lo encontrado numa ocasião melhor que aquela. Ninguém é capaz de prever quando acidentes irão acontecer...
Alguns outros amigos, ainda dos tempos de colégio, já estavam por lá quando eu cheguei. Eduardo era muito querido e, todos fizeram questão de aparecer.

Procurei me informar ("Foi acidente de moto", "Um cachorro atravessou na frente deles"... "Ele e a namorada", "A garota não resistiu... foi na hora"), consegui entender.
Eu e Rodrigo tomávamos um café na recepção do hospital quando os outros vieram ("Ele quer ir ao funeral..., o corpo sai daqui a pouco"). Cada um seguiu em seu respectivo carro, alguns como carona de outros. Eduardo veio com Rodrigo e eu. Éramos como irmãos apenas há alguns anos atrás e aquele era o momento de fazermos valer a amizade.

Na capela, muitas pessoas queriam saber como estava meu amigo, muitos tentavam o consolar, muitos faziam apenas número em frente ao palco do último espetáculo que somos capazes de encenar.
Alguns daqueles rostos eram velhos conhecidos meus. Muitos, jamais havia visto e, esperava, jamais tornaria a vê-los.

Entramos;
Eduardo e Rodrigo à frente (nunca gostei muito dessa história de velório);
Eduardo chorou. Rodrigo o abraçou;
Cheguei-me e, de imediato, apoiei-me em meus dois amigos. Só não berrei porque simplesmente não tive forças o suficiente para isso.
Lá estava você.


O mistério acabou - Agora eu sabia seu nome.
A distância acabou - Agora eu podia ver seu rosto, mesmo que envolto em ataduras, seus lábios, ‘inda que feridos... agora eu podia tocar em suas mãos, ainda que geladas.

As festas acabaram. E não mais Hendrix, mais Beatles, mais Who. Não mais bailes, mais lágrimas, mais choros. Não mais outros corpos. Nada mais seria capaz de reviver o que deixou de existir no instante em que estivemos frente à frente pela primeira e única vez: minha humanidade.

Ainda quando é noite, quando é frio, ainda quando adormeço, é por você que eu fecho os olhos querendo não mais acordar.


Soundtrack: Algumas músicas do Mercury Rev.

4 Comments:

  • At 5:19 PM, Anonymous Anônimo said…

    ah XD
    MUITO bons textos!
    se tu me disser que foi tu que escreveu vou ficar realmente admirada :D

     
  • At 7:39 AM, Blogger Clara said…

    Texto forte esse, hein... mas sabe em que eu pensei? Em assistí-lo em uma peça de teatro ou filme. Você já pensou em escrever pra teatro? =)

    beijos

     
  • At 2:05 PM, Blogger Daniela said…

    Soundtrack: "Os Pássaros"

     
  • At 7:05 PM, Anonymous Anônimo said…

    Eu gostei...
    Sabe que eu em sinto tão só, tão em duvida em relação aos amigos, pq eu sei que simplesmente não os tenho, sei que se eu procurar na minha agenda telefonica do celular alguém pra sair comigo pra tomar uma cerveja não irei achar, você sabe quando sente que nada mais faz sentido? eu tinha um! era o único, o verdadeiro... o que me apoiava sempre, o que ia me levar no cursinho, que ia no cinema comigo, que ia fazer compras, que eu dormia na casa dele, mas ele se foi, se foi pq não aguentou a solidão da cidade que todos chamam de "ilha da magia", magia aquela que levou meu amigo pra longe de mim, magia que fez ele ficar angustiado, talvez eu tenha falhado em relação a ele, talvez não tenha sido culpa minha, o que eu sei agora é que estou de mãos atadas e tudo o que eu espero durante o dia, é que chegue a lua para que eu possa ir pra minha cama e deitar no travesseiro dele que ele me deixou como lembrança de todas as vezes que dormimos juntos, que rimos juntos, que choramos... enfim, ele se foi e o mundo está dificil. Não consigo mais sorrir, não consigo mais comer, não consigo mais viver! Agora só me restam as lágrimas, aquelas que saem, significando a dor transbordando dentro de mim quando eu já não aguento mais lutar em vão, lutar contra as memórias é complexo demais para alguém tão fraco quanto eu.
    :~

     

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