Até que eu me divirto!

mas que deixei de acreditar, isso eu deixei!

5.30.2005

Sem final

Aquela tarde de sexta-feira, quando eles se encontraram pela primeira vez, naquela cafeteria em uma estranha viela do centro de São Paulo, não era necessariamente a primeira vez que conversavam, mas a primeira vez que se viam pessoalmente.
Ele não sabia ser diferente. Toda vez que se punha de frente a alguém pela primeira vez, demorava alguns minutos para se situar. Era o tempo em que precisava para "conhecer" a pessoa. Era o tempo que gastava olhando calado para o traços do rosto (olhos e lábios, especificamente), a postura, os braços e as mãos (o que, para ele, muitas vezes podiam falar mais que os próprios olhos).
Ela era uma figura ímpar, de traços singelos e beleza simples, no alto de seus um metro e sessenta. As mãos, pequenas como toda a proporção de seu belo corpo, os cabelos lisos e, assim como os olhos, escuros. E que olhos! Era incrível o poder que aquele olhar exercia sobre ele. Um olhar ao mesmo tempo vazio e profundo, como que de quem escondia mistérios que nem ela mesma era capaz de desvendar.
Ele sentia-se a cada segundo mais intrigado. A partir daquele momento, teve a certeza de que ela seria o enigma o qual apenas ele poderia descobrir a resposta.

Em comum, naquele momento, os dois tinham pouca coisa. Uma primeira sensação de estranhamento, uma certa curiosidade, e uma certa decepção: ele esperava que ela pudesse ser menos triste do que sempre fez parecer, e ela nutria a esperança de que ele pudesse ser mais bonito pessoalmente do que por fotos. Mas não eram. Ela sorria, porém deixando sempre a impressão de que de suas palavras, de seus suspiros, de seus "sins" e "nãos", corriam lágrimas, pequenas, brilhantes, mas constantes, que nunca cessavam. Quanto a ele, sua barba era mais mal feita que em fotos, seus cabelos, mais despenteados, e em seus sorrisos, cometia o imperdoável delito de mostrar as gengivas.

Por algum tempo se distraíram com as histórias que contavam, todas impregnadas de fantasias e ilusões criadas por suas mentes, por suas lembranças (não pensem que eles mentiam! Era exatamente daquela forma que se recordavam, transformando meras decepções adolescentes em dramas emocionados). Ele balançava a cabeça e dizia "sei como é", ela jogava a cabeça para trás a cada vez que bradava mais um entre muitos "puta que pariu".

Azia e David Bowie, Vallium e Bromoxom, Cristiane F. e Eduardo Spitzer...

Aquela tarde de sexta chegava ao fim, e ele precisava ir. Lá embaixo, seu primo o esperava. Ele ainda precisava ajeitar suas coisas. O ônibus partia às nove da noite.
Ela desceu a rua, tomou o metrô. Em alguns minutos, estava em casa. De volta ao seu mundo, porém, talvez o sorriso que brotava em seu rosto fosse verdadeiro, real como ela duvidava que fosse capaz de sorrir.
Demoraria ainda mais algumas horas até ele voltar ao seu mundo. Mas ele amava a estrada. Era ali que se permitia viajar em pensamentos até futuros improváveis, doces, belos como nada nunca é. Um futuro em que, finalmente, ele desvendaria todos os mistérios da pequena.
E antes de dormir, ela em casa, ele no ônibus, os dois souberam que, não importa o quão longe, em algum lugar, sempre existe alguém capaz de fazer o mundo parecer um bom lugar. Não importaria quanto tempo demoraria: ele iria voltar, e ela estaria esperando.

Essa é uma história que ainda não aconteceu.

4 Comments:

  • At 6:15 PM, Anonymous Anônimo said…

    mas pode acontecer!!!
    pior do q a frustração de não poder alcançar algo impossivel é a frustração do possível não alcançado...
    abraço

     
  • At 6:15 PM, Anonymous Anônimo said…

    mas pode acontecer!!!
    pior do q a frustração de não poder alcançar algo impossivel é a frustração do possível não alcançado...
    abraço

     
  • At 6:24 PM, Anonymous Anônimo said…

    acontecerá.pode ter certeza..jw,vc sabe melhor da minha aparencia do que eu mesma..sim,os meus ohlos,o meu olhar,sao exatamente do jeito que vc descreveu..
    adoro vc..beijao!

     
  • At 6:30 PM, Anonymous Anônimo said…

    no fundinho, bem lá no fundinho mesmo, ainda há uma esperança de que historias assim aconteçam com a gente, e não só em filmes. não sei se essa esperança é boa ou ruim. mas que ela existe, existe...

    lindo texto. mais uma vez!

     

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