Até que eu me divirto!

mas que deixei de acreditar, isso eu deixei!

9.27.2005

Café

- Ei, acorda! Se você não se apressar vai acabar perdendo a hora outra vez.

Eu já estou de pé, já vesti uma camisa - mais decente que essa de dormir - e uma bermuda qualquer, já lavei um rosto e escovei os dentes.
Tento acordá-la com um leve toque no ombro. Ela sorri, ainda de olhos fechados, resmunga baixinho e se espreguiça, com movimentos tão sutis que acabam lhe atribuindo um ar ainda mais infantil do que ela naturalmente já parece ter.
Quase todos os dias é a mesma coisa. Quase todos os dias, com os primeiros raios de sol, eu estou de pé, ao lado da cama, calado, olhando para ela, que dorme, e me perguntando se isso tudo é mesmo real. Quase todos os dias eu quase não acredito.
A cafeteira dá o sinal: está pronto. Eu sei que preciso parar, ou ao menos reduzir um pouco esse vício, mas não hoje. E lá vou eu pra cozinha.
Quando volto ao quarto, lá está, sentada à beira da cama, cotovelos sobre os joelhos, rosto apoiado nas mãos, olhos para os chinelos, sem muita vontade calçá-los e ir logo começar o dia. Eu paro na porta e fico calado. Ela me vê e sorri. Ela me vê, sorri, e indireita o corpo.

- O que?
- O que... o que?
- Que você tá fazendo?
- Ah! Nada. Só olhando a sonâmbula mais bonita do mundo. Ela deixa escapar uma risada sutil, algo como um "ha ha ha" que consegue não soar irônico.
- Bobo!
...
- Vai tomar banho, ou você se atrasa pra aula outra vez!
- Nossa! É mesmo!
Ela toma banho, eu tomo café novamente. Ela toma café, eu tomo banho. Ela prepara nossas roupas, eu pego seu material. Ela se arruma, eu fico olhando.
Ao lado da porta da sala, um beijo no rosto, meus olhos brilham, seu sorriso faz todo seu rosto todo brilhar.
- Bom trabalho!
- Bom estudo. Sabe, todos os dias eu me pergunto se isso é mesmo verdade...
- Não precisa dizer, eu também.
- Eu te amo. E anda logo!
- Eu também! E to atrasada!

E amanhã, tudo outra vez. E agora, mais um café.

[Março de 2007]
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Som: Placebo, Black Eyes.

9.09.2005

Curral sobre trilhos

Trem é uma espécie de metrô, só que vai por cima da terra, sacode, é quente e tem picolé da Moleka por 50 centavos.


Eu dormia, como sempre, mas não foi preciso mais de 2 minutos para que aquela meia dúzia de vacas me acordasse. E também não foi preciso mais que um terceiro minuto para que percebesse que se tratava de uma meia dúzia de vacas.
Elas falavam em voz alta, de início, algo que eu não conseguia entender. - Sabe quando você levanta da cama, com os olhos quase que fechados, enxergando tudo embaçado, como que coberto por uma nuvem de cor cinza bem claro? Era mais ou menos assim que eu estava. Com a diferença de que o sentido atrapalhado era a audição, e não a visão. Quer dizer, a visão também, mas não vem ao caso.

- Ah, desse cd eu só conheço "Garotos".
Uma delas, sentadas, tinha em mãos o acústico e ao vivo do Leoni. Uma das que estava em pé, a besta que se pronunciou, fazia referência à "Garotos II", sucesso em sei-lá-quando-da-década-de-noventa, que o Dinho Ouro Preto fez questão de estragar com aquela voz de cabrito que só ele sabe ter nesse cd que estava nas mão de uma das vaquinhas.
- Eu conhecia mais umas duas. As outras nunca tinha ouvido, mas são legaizinhas também.
Que diabos ela queria dizer com "legaizinhas"? Isso era bom? Ruim? Qual a idade dessas garotas? – "Oh, eu tenho dezesseis e não conheço Leoni além de ‘Garotos’ e de ‘por-que-não-eu-ah-ahhhh’" – E eu acho curioso lembrar que com a idade delas eu também não fazia idéia de quem era esse cara. Hoje em dia, essa vacaiada continua sem saber quem ele foi um dia, mas pelo menos acha ele legalzinho.
Uma outra, também em pé, fez o piercing no nariz mesmo com o pai dela tendo dito que era para que não fizesse, mas ele só percebeu algumas semanas depois, e nem reclamou. Ele é um cara legal, usa bermudões camuflados, chama a esposa de tchutchuca, como o bom quarentão que ouve Mc Colibri que ele é.
Eu acho incrível a facilidade com a qual você fica sabendo de detalhes da vida alheia enquanto anda nessas porcarias movidas pela energia elétrica, bem acima de nossas cabeças, pronta para nos torrar feito pequenos pedaços de salsicha. Não precisou de cinco minutos, e a menina do meu lado dava graças à Deus por nunca ter beijado um garoto com piercing na lingua, e todas as outras diziam que era bom porque era geladinho, o namorado da morena bonitinha já deu um beijo nela depois dela ter posto pra fora todo excesso de cerveja, e o cara do terceiro ano tinha uma bundinha bonita , e seu-namorado-é-um-bundão-você-nem-gosta-tanto-dele - e essa foi uma das piores partes, porque de repende, eu reconheço essa porcaria de música, da banda ruim, do cara gente boa que estudou comigo há alguns anos atrás, e penso como é estranho que as pessoas gostem de certas coisas sem sequer se contestar porquê.
Sinceridade, como eu odeio acordar de um princípio de sono e perceber que estou cercado por pessoas que eu não gosto – nesse caso, as vacas adolescentes - sabendo detalhes sobre seus pais funkeiros, piercings geladinhos, namorados porcos, caras-do-terceiro-ano-com-bundinha-bonita, mal gosto musical, etc, etc, etc.

Eu só queria dormir, ou conseguir ler meu livro em paz.
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9.02.2005

hj ñ tem título! (ps.: Eisley é uma banda legal)

É como comer batata-palha e beber Coca-cola, numa sala escura, durante uma madrugada fria de sábado: eu gosto da sensação, não importa o quanto os outros tentem me convencer que eu deveria mudar, que eu deveria sair para, pelo menos, tomar uma cerveja e comer algo como Ruffes, ou Lays.

Eu não sei porque escrevo certas coisas se quem deveria ler não o irá fazer. E mesmo se fizesse, eu com minha pouca objetividade, conseguiria dizer o que quero através dessas poucas palavras?
A verdade é que eu gosto desse versão pessoal de ansiedade, essa vontade de falar algo que não sei certo o que é, mas sei bem quem deveria ouvir.

Não vou prolongar o texto. Seria bobo demais. Bobo como eu, repetitivo e quase infantil.
Como esses sentimentos.

Som:Telescope Eyes, Eisley.