Até que eu me divirto!

mas que deixei de acreditar, isso eu deixei!

5.31.2005

No meio

Eu já deixei de acreditar faz tempo. Não confio, não gosto das pessoas, ao mesmo tempo que dependo muito delas. E dependo porque, na minha ingenuidade, ainda mantenho a esperança de encontrar as poucas com quem valha a pena conviver.
Esse é o seu espaço, se você existe.
Atualmente eu venho desacreditando a cada dia mais. Talvez por isso tenha essa enorme gratidão por pessoas como Babsie, Daniela, Falcão, Lena, Doug, Belinha, Leonardo Juliano e outras, poucas, existirem, e me fazerem ver que é tudo uma grande merda, que ninguém presta, mas pelo menos há quem continue a buscar razões, cientes de toda dor que isso é capaz de causar.
JW, mais um dia por aqui.

5.30.2005

Sem final

Aquela tarde de sexta-feira, quando eles se encontraram pela primeira vez, naquela cafeteria em uma estranha viela do centro de São Paulo, não era necessariamente a primeira vez que conversavam, mas a primeira vez que se viam pessoalmente.
Ele não sabia ser diferente. Toda vez que se punha de frente a alguém pela primeira vez, demorava alguns minutos para se situar. Era o tempo em que precisava para "conhecer" a pessoa. Era o tempo que gastava olhando calado para o traços do rosto (olhos e lábios, especificamente), a postura, os braços e as mãos (o que, para ele, muitas vezes podiam falar mais que os próprios olhos).
Ela era uma figura ímpar, de traços singelos e beleza simples, no alto de seus um metro e sessenta. As mãos, pequenas como toda a proporção de seu belo corpo, os cabelos lisos e, assim como os olhos, escuros. E que olhos! Era incrível o poder que aquele olhar exercia sobre ele. Um olhar ao mesmo tempo vazio e profundo, como que de quem escondia mistérios que nem ela mesma era capaz de desvendar.
Ele sentia-se a cada segundo mais intrigado. A partir daquele momento, teve a certeza de que ela seria o enigma o qual apenas ele poderia descobrir a resposta.

Em comum, naquele momento, os dois tinham pouca coisa. Uma primeira sensação de estranhamento, uma certa curiosidade, e uma certa decepção: ele esperava que ela pudesse ser menos triste do que sempre fez parecer, e ela nutria a esperança de que ele pudesse ser mais bonito pessoalmente do que por fotos. Mas não eram. Ela sorria, porém deixando sempre a impressão de que de suas palavras, de seus suspiros, de seus "sins" e "nãos", corriam lágrimas, pequenas, brilhantes, mas constantes, que nunca cessavam. Quanto a ele, sua barba era mais mal feita que em fotos, seus cabelos, mais despenteados, e em seus sorrisos, cometia o imperdoável delito de mostrar as gengivas.

Por algum tempo se distraíram com as histórias que contavam, todas impregnadas de fantasias e ilusões criadas por suas mentes, por suas lembranças (não pensem que eles mentiam! Era exatamente daquela forma que se recordavam, transformando meras decepções adolescentes em dramas emocionados). Ele balançava a cabeça e dizia "sei como é", ela jogava a cabeça para trás a cada vez que bradava mais um entre muitos "puta que pariu".

Azia e David Bowie, Vallium e Bromoxom, Cristiane F. e Eduardo Spitzer...

Aquela tarde de sexta chegava ao fim, e ele precisava ir. Lá embaixo, seu primo o esperava. Ele ainda precisava ajeitar suas coisas. O ônibus partia às nove da noite.
Ela desceu a rua, tomou o metrô. Em alguns minutos, estava em casa. De volta ao seu mundo, porém, talvez o sorriso que brotava em seu rosto fosse verdadeiro, real como ela duvidava que fosse capaz de sorrir.
Demoraria ainda mais algumas horas até ele voltar ao seu mundo. Mas ele amava a estrada. Era ali que se permitia viajar em pensamentos até futuros improváveis, doces, belos como nada nunca é. Um futuro em que, finalmente, ele desvendaria todos os mistérios da pequena.
E antes de dormir, ela em casa, ele no ônibus, os dois souberam que, não importa o quão longe, em algum lugar, sempre existe alguém capaz de fazer o mundo parecer um bom lugar. Não importaria quanto tempo demoraria: ele iria voltar, e ela estaria esperando.

Essa é uma história que ainda não aconteceu.

Sem Início

5.28.2005

Dias de blues

Lá fora chove pra caramba. As águas de março, este ano, chegaram no fim de abril.
Ouça o som, desembace a janela, veja as árvores sendo desfolhadas, as folhas carregadas pelo quase rio que se forma no meio da rua.

Nada é melhor que o blues agora. As guitarras e seus Claptons, seus Peters, seus Kings. As guitarras e a chuva. Às guitarras e à chuva, um brinde solitário.

O celular não pega, não funciona. E é infelizmente nessa hora em que morro de vontade de ouvir a sua voz, onde quer que você esteja, pra onde quer que você tenha ido.
Não há fotografias, não há histórias, mas a lembrança da sua voz é algo que não se desprende da memória.

Na mesa, o de sempre: alguns livros, alguns cds.
[Quer saber? Maldita mania, essa de ser impreciso! Para ser exato, na mesa, três livros, nove cds.]
E chove.

Hoje ninguém sabe mais que banda é essa. Pra ser sincero, nem eu sei muito além do que essa coletânea me ensinou. Mas o que é bom independe do que é conhecido.
E deixe o blues rolar.
[Chicken Shack – You ain’t no good – 1’58’’, solo de piano]

Até o gosto do café fica melhor nos dias em que o céu desaba pra valer.
E que diferença faz se não posso sair? Com sol eu já não tenho mesmo feito isso...

[You know, you drive me crazy...]

Três estrofes de Álvarez, café com biscoitos, analgésicos e uma cadeira de balanço ao lado da janela.
E deixa o blues tocar. Deixa essa chuva cair.

Queiróz Keller.

5.26.2005

De gente grande...

- A diferença entre o formato página e o formato texto é a...
- Licença, professor...
- Opa! Bem, como eu ia dizendo, a dife...
- Bom dia, professor! Licença...
- Hnnn... a diferen...
- Caraca, professor, foi mal aê mas...
- Eita merda! O que é que tá acontecendo, ein?
(E a turma olha para trás, para a porta. É que toda hora em que ele tenta continuar, entra alguém assim, embasbacado, estabanado, com as bochechas vermelhas de quem veio com certa pressa...)
Bloco II, sala 303. Faz pouco mais de dois anos que, logo ali embaixo, a situação que agora se repetia havia transformado aquela estudante em uma massa corpórea sem coordenação motora.
- O bicho ta pegando, professor! – o último entrar exclama.
- Ah... por isso toda hora chega alguém assustado atrapalhando minha aula?
- É sim. Nossa, eu subi isso aqui num impulso só! Tô até suada. – a primeira a atrapalhar.
(Entram mais uns dois ou três, já mais quietos, mais tranqüilos)
- Relaxa, pessoal. Já acabou lá fora.
(Burburinhos e burburinhos. Cada um tem sua versão – "Parecia que era aqui dentro.", "Meu refrigerante caiu!", "Eu me escondi debaixo da mesa!", "Corri direto pra cá."... – Até que tudo se normaliza e seguem-se as explicações.)
- Páginas simétricas, sisudas.
Tum, pá, pá – Lá fora, mais pro alto.
- Eee... isso não pára não?
- Tem alguém batendo palma...
Mas passam as horas, passam os tiros, passa a aula e todos saem. Não foi a primeira vez. Não será a última.
Enfim, a gente faz o que pode.


[Jorge Wagner – 26 de fevereiro de 2005]

5.21.2005

Cena 1

Numa Kombi, 11 e pouca de uma manhã de sol no infernal Rio de Janeiro.


PAI: Bonita essa música, não?

Filha #1: É do Rodriguinho?

Filho: Ai! Nada a ver! Num tá vendo que ele tá cantando em ingrês?

PAI - indignado, interrompendo: Nããão! Isso é Michael Jackson!

Filha #1: Ué? Ele canta?

Filha #2: Ele canta, pai?

PAI - remungando: Putaquemepariu...

Filho, no auge da sabedoria de seus, no máximo, 4 anos: É o que ele faz quando não dá depoimento.

Filha #1 e Filha #2, entendendo: Ahhh!

PAI: Porra, motorista, pelo amor de Deus, desliga esse rádio!

5.03.2005

[s-e-m t-í-t-u-l-o]

Dias frios são sempre especiais. Especialmente os dias frios em que não há chuva.

O tom cinzento de uma manhã de terça-feira, ele sai de casa, mesmo febril. Mesmo após toda a noite de insônia. Sai cedo.
A cidade mais parece algum lugar anônimo do Velho Mundo. As pessoas estão mais quietas, não fazem questão de que todos ouçam todas as besteiras inuteis que pensam o tempo todo. Ele adora isso.

O copo com água é acompanhado de um benegripe (dois na verdade: o amarelo e o verde...), e seguido de um discreto sorriso. Tudo vai passar. - pensa, e resmunga, quase sussurrando.

Mãos no bolso, olhos ao céu.

Algumas nuvens denunciam que a chuva ainda pode voltar.

Mãos por seus cabelos, uma rápida coçada no nariz gelado.
Mãos novamente no bolso.

Canta baixinho. O mais baixo que pode.
"Pense no céu sorrindo à tarde/ pense nos automóveis..."

Dias frios nunca são iguais.

Godói já não é mais o mesmo.